domingo, 5 de dezembro de 2010

Vida baseada no Arsénio

GFAJ-1, uma estirpe de gamaproteobactérias da família Halomonadaceae, crescendo em meio rico em arsénio e sem fósforo.
Crédito: Jodi Switzer Blum.

Foi uma longa semana de intensa especulação até ao anúncio oficial da NASA, na passada quinta-feira, da descoberta de uma bactéria extremófila que pode substituir o fósforo (P) por arsénio (As) em todos os seus processos metabólicos. Depois de um sem número de mentiras disseminadas pela internet (a maioria relacionando a conferência de imprensa com a descoberta de vida extraterrestre), a verdadeira notícia revelou-se igualmente bombástica em muitos aspectos. Nos meios científicos foi recebida com grande entusiasmo - aqui estava uma forma de vida que aparentemente poderia sobreviver sem um dos seis elementos considerados essenciais para a vida: carbono, oxigénio, hidrogénio, azoto, enxofre e fósforo. Nos meios de comunicação social foi repeditadamente mal interpretada, perdendo grande parte dos pormenores que a tornavam importante - a notícia nada tinha a ver com vida extraterrestre, apenas tinha fortes implicações na forma como definimos vida e como a procuramos em ambientes fora da Terra.
Não vou divagar mais sobre a importância desta (alegada) descoberta, porque outros já o fizeram de forma exaustiva em português aqui, e em inglês aqui, aqui e aqui. No entanto, passados alguns dias, achei que valeria a pena pronunciar-me um pouco sobre a validade do trabalho apresentado pelo grupo de investigadores do Instituto de Astrobiologia da NASA.
Não sou um perito em Microbiologia, mas bastou uma leitura cuidadosa do respectivo artigo para que a minha opinião inicial sobre a dimensão desta descoberta fosse afectada. Pareceu-me que, tal como já havia acontecido com o anúncio da descoberta de estruturas fossilizadas com possível origem biológica num meteorito proveniente de Marte, a NASA montou rapidamente um circo mediático com base num trabalho pouco sustentado pela evidência científica. São demasiado grandiosas as conclusões a que os investigadores chegam, tendo em conta que não apresentam uma prova definitiva de que as bactérias usadas no estudo tenham, de facto, incorporado o elemento As em moléculas tão vitais como o ADN, o ATP ou os fosfolípidos. Sem esta permissa, penso que o aparato da passada quinta-feira não faz qualquer sentido.
É lamentável que uma instituição como a NASA (e, já agora, uma revista conceituada como a Science) suporte e promova trabalhos científicos com pouca resistência à crítica fundamentada como a que é apresentada, por exemplo, neste artigo. Este tipo de atitude foi prática corrente, por exemplo, em missões emblemáticas como a missão Galileo, onde o apoio incondicional a um grupo restrito de investigadores promoveu o mediatismo de conceitos fracamente fundamentados (e, provavelmente, incorrectos) sobre a geologia de Europa (para mais pormenores, aconselho a leitura deste livro). É uma atitude que mistura política de financiamento com jogos de poder, e que em nada benificia a ciência e a sua imagem na sociedade. Neste campo ganharíamos todos se a NASA aprendesse com os seus próprios erros, e usasse apenas o rigor científico para promover os seus colaboradores e respectivas instituições.

1 comentário:

  1. Vale a pena acompanhar os comentários no astroPT relacionados com este assunto: http://astropt.org/blog/2010/12/02/nasa-descobre/. Foi lá que tomei conhecimento do excelente artigo de Rosie Redfield que, ao que me parece, irá dar origem a uma letter ao editor da Science.
    Aparentemente, é de esperar novos desenvolvimentos nas próximas semanas.

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