Local da recolha de amostras de antigas argilas na rocha Cumberland, em Yellowknife Bay. Imagem obtida pelo robot Curiosity, a 19 de maio de 2013 (sol 279 da missão).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.
Na terça-feira passada, cientistas da missão
Curiosity anunciaram na Conferência de Outono da União Americana de Geofísica, em São Francisco, a deteção de aumentos episódicos nos níveis de metano no interior da cratera Gale, e de compostos orgânicos em amostras de antigas argilas colhidas na rocha Cumberland, em Yellowknife Bay. Estes resultados representam a primeira descoberta definitiva de ingredientes essenciais para a vida na superfície de Marte, e revelam um planeta quimicamente ativo, com compostos produzidos abaixo da superfície a serem libertados na atmosfera.
"Este aumento temporário de metano - subitamente para cima, e seguido de uma diminuição - diz-nos que deve haver uma fonte relativamente localizada",
disse Sushil Atreya, investigador da missão
Curiosity. "São muitas as fontes possíveis, biológicas ou não biológicas, tais como interações entre água e rocha."
Os cientistas usaram o espetrómetro laser sintonizável do mini-laboratório de análise química
SAM (Sample Analysis at Mars), que segue a bordo do
Curiosity, para medirem os níveis de metano atmosférico uma dúzia de vezes, num período aproximado de 20 meses. Durante cerca de dois meses, entre o final de 2013 e o início de 2014, o robot da NASA obteve quatro medições seguidas com uma média de 7200 partes por milhão por volume, um valor equivalente a 10 vezes os
valores médios obtidos antes e depois destas leituras.
Ilustração mostrando possíveis vias para a produção de metano nas camadas rochosas abaixo da superfície de Marte, e para a sua subsequente remoção na atmosfera marciana.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/SAM-GSFC/Universidade de Michigan.
O
Curiosity detetou, ainda, a presença de outras moléculas orgânicas em amostras de rocha pulverizada colhidas na rocha Cumberland. Estes compostos foram identificados usando o cromatógrafo de gás do
SAM, e incluíam diversos derivados halogenados de hidrocarbonetos comuns na Terra e no espaço.
Embora possam ocorrer sem a presença de organismos vivos, os hidrocarbonetos são os alicerces químicos da vida, tal como a conhecemos. A deteção de compostos orgânicos na atmosfera e em amostras de rocha pulverizada, no interior da cratera Gale, não revelam se Marte alguma vez abrigou vida na sua superfície, mas lançam uma nova luz sobre os processos químicos atualmente em atividade na superfície marciana, e criam uma imagem renovada de um planeta outrora com condições favoráveis à vida.
"Vamos continuar a trabalhar nos quebra-cabeças que estas descobertas nos apresentam", afirmou John Grotzinger, líder da equipa científica da missão
Curiosity. "Será que podemos aprender mais sobre a química ativa que provoca tais flutuações nos níveis de metano na atmosfera? Poderemos escolher alvos rochosos onde foram preservados compostos orgânicos identificáveis?"
Cromatograma obtido pelo SAM numa das amostras da rocha Cumberland (em comparação com um branco). Estão assinalados os seguintes compostos orgânicos: 1 - clorometano; 2 - diclorometano; 3 - triclorometano (clorofórmio); 4 - tetraclorometano; 5 - 1,2-dicloroetano; 6 - 1,2-dicloropropano; 7 - 1,2-diclorobutano; 8 - clorobenzeno.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.
Os investigadores trabalharam muitos meses para determinarem se as moléculas identificadas em Cumberland seriam verdadeiramente marcianas. O
SAM detetou em várias amostras compostos orgânicos que eram, na verdade, contaminantes terrestres transportados no interior do robot. Inúmeros testes e análises deram, no entanto, a confiança necessária na deteção de moléculas orgânicas de origem marciana.
É complicado identificar que compostos orgânicos se encontram em específico nas rochas, devido à presença de minerais de perclorato (ClO
4-) nas rochas e solo marcianos. Quando aquecidos no interior do
SAM, os percloratos alteram a estrutura das moléculas orgânicas, produzindo derivados halogenados que tornam incerta a identificação das moléculas originais.
"É muito promissora esta primeira identificação de carbono orgânico numa rocha em Marte", explica Roger Summons, membro da equipa científica da missão
Curiosity. "Os compostos orgânicos são importantes porque podem dizer-nos mais sobre as vias químicas responsáveis pela sua formação e preservação. Por sua vez, [estas vias] informam-nos acerca das diferenças entre a Terra e Marte, e se os ambientes representados nas rochas sedimentares da cratera Gale, em particular, foram mais ou menos favoráveis para a acumulação de materiais orgânicos. Agora, o desafio é encontrar outras rochas no monte Sharp que possam ter um inventário diferente e mais extenso de compostos orgânicos."
Ilustração evidenciando alguns dos processos envolvidos na destruição de compostos orgânicos na superfície de Marte.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.
Na semana passada foram, ainda, divulgados num
artigo publicado na revista Science resultados surpreendentes da análise aos isótopos de hidrogénio de moléculas de água aprisionadas no interior da rocha Cumberland. Obtidos pelo espetrómetro laser sintonizável e pelo espetrómetro de massa quadrupolo do
SAM, estes novos resultados revelam detalhes intrigantes sobre a evolução da água no planeta vermelho, ao longo dos últimos milhares de milhões de anos.
"É realmente interessante que as nossas medições dos gases extraídos de rochas antigas possam dizer-nos mais sobre a perda de água em Marte", disse Paul Mahaffy, investigador principal do
SAM e primeiro autor deste trabalho. A razão deutério/hidrogénio (D/H) das moléculas de água do planeta vermelho tem mudado ao longo do tempo, porque o isótopo mais leve do hidrogénio, o prótio ou hidrogénio leve (H ou
1H), escapa das camadas mais altas da atmosfera marciana, muito mais facilmente que o seu isótopo mais pesado, o deutério (D ou
2H). Para determinarem como esta razão mudou ao longo do tempo, os cientistas podem comparar a água atualmente presente na atmosfera com a água aprisionada em rochas formadas em épocas mais remotas na história do planeta vermelho.
Os meteoritos marcianos encontrados na Terra podem fornecer alguma informação, mas este registo tem grandes lacunas. Nenhum destas rochas tem de perto a idade das rochas estudadas pelo
Curiosity - aproximadamente entre 3,9 a 4,6 mil milhões de anos.
Os resultados agora divulgados revelam que a água da rocha Cumberland tem metade da razão D/H do vapor de água atualmente presente na atmosfera marciana, o que sugere que Marte perdeu grande parte da sua água desde que a rocha foi formada. Este valor é, no entanto, cerca de 3 vezes superior à razão da água originalmente fornecida ao planeta, se considerarmos que esse reservatório tinha uma proporção de deutério semelhante à dos oceanos terrestres. Isto sugere, também, que Marte perdeu muita da sua água original, antes da formação de Cumberland - um claro indicador de que o planeta sofreu alterações climáticas profundas muito cedo na sua história.
Podem encontrar mais detalhes acerca destes resultados
aqui,
aqui e
aqui.