quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A Terra pelas lentes de Alexander Gerst

Vejam este espetacular vídeo construído com cerca de 12500 imagens captadas pelo astronauta alemão Alexander Gerst, durante a sua missão de 6 meses na Estação Espacial Internacional:



No vídeo podemos ver auroras, relâmpagos, o nascer do Sol, as luzes de cidades europeias, o brilho da Lua nas águas do Mediterrâneo, a fina camada atmosférica que nos protege do espaço. Podemos apreciar, ainda, por momentos o brilho difuso do centro da nossa Galáxia, desfilando entre os painéis solares da Estação Espacial Internacional.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Don Juan, o lago mais salgado da Terra

O lago Don Juan, numa imagem obtida pelo satélite Earth Observing-1, a 03 de janeiro de 2014.
Crédito: Jesse Allen usando dados providenciados pela equipa do EO-1 e pelo USGS/Anotações de Sérgio Paulino.

O lago mais salgado do mundo encontra-se aninhado no extremo oeste do Vale de Wright, um dos desfiladeiros que formam o sistema de vales secos de McMurdo, na Antártida. Fustigados por poderosos ventos catabáticos, estes profundos vales contam-se entre os ambientes mais inóspitos da Terra.

No Vale de Wright, as temperaturas médias anuais rondam os -19,8º C, e a precipitação média anual é inferior a 100 mm. Os poucos lagos aí existentes encontram-se cobertos por uma espessa camada de gelo com alguns metros de espessura, e são alimentados pela pouca água fornecida pelo degelo sazonal dos glaciares que cobrem as montanhas em seu redor.

O lago Don Juan é a única exceção. Com um comprimento de aproximadamente 300 metros e uma profundidade máxima de poucas dezenas de centímetros, o pequeno lago é tão salgado que as suas águas ricas em cloreto de cálcio raramente congelam. A sua salinidade ultrapassa os 400 ‰, o que o torna significativamente mais salgado que outros lagos hipersalinos do mundo.

Câmara documentando alterações no lago Don Juan.
Crédito: Geological Sciences/Brown University.

Os cientistas suspeitavam que Don Juan era alimentado por nascentes subterrâneas, no entanto, geólogos da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, publicaram recentemente um trabalho onde demonstram que a água do lago provém, muito provavelmente, da atmosfera. Usando uma câmara instalada no topo de uma das encostas que ladeiam o pequeno lago, a equipa liderada por Jay Dickson e James Head descobriu que os sais presentes no solo do vale absorvem a humidade do ar, através de um processo denominado deliquescência, formando fluídos saturados que rasgam pequenas linhas de água à medida que escorrem em direção ao lago.

Um dos aspetos mais fascinantes de Don Juan é a possibilidade da existência de vida microscópica nas suas águas hipersalinas. As linhas de água formadas nas suas margens assemelham-se às linhas de declive recorrentes, visíveis em encostas na superfície de Marte, pelo que a descoberta de organismos vivos num ambiente tão extremo tornaria mais plausível a ideia de que a vida poderá existir, ou ter existido, em sistemas hidrológicos hipersalinos no planeta vermelho.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Uma prenda de Natal da missão Chang'e 3

Foi disponibilizado na semana passada um novo arquivo com imagens em alta resolução da missão chinesa Chang'e 3. Aparentemente, as imagens foram obtidas nos primeiros dois dias lunares da missão, e incluem um espetacular panorama sobre a paisagem desolada de Mare Imbrium.

Vejam em baixo uma pequena seleção:

A Terra vista pela sonda Chang'e 3, numa sequência de 5 imagens obtidas entre 21 e 25 de dezembro de 2013.
Crédito: Academia Chinesa de Ciências/Sérgio Paulino.

O pequeno robot Yutu pousando junto à cratera Nascente Celestial. Imagem obtida pela sonda Chang'e 3, a 15 de dezembro de 2013.
Crédito: Academia Chinesa de Ciências.

O robot Yutu passando entre a Chang'e 3 e a cratera Cereais Celestiais. Imagem obtida a 21 de dezembro de 2013.
Crédito: Academia Chinesa de Ciências.

A sonda Chang'e 3 vista pelo Yutu, a 21 de dezembro de 2013.
Crédito: Academia Chinesa de Ciências.

O robot Yutu afastando-se da sonda Chang'e 3. Imagem obtida pela câmara de navegação do Yutu, a 22 de dezembro de 2013.
Crédito: Academia Chinesa de Ciências.

O robot Yutu viajando a direção a sul, numa imagem obtida pela sonda Chang'e 3, a 22 de dezembro de 2013.
Crédito: Academia Chinesa de Ciências.

Panorama sobre a cratera Palácio Púrpura, uma estrutura de impacto com cerca de 450 metros de diâmetro. Podemos ver em primeiro plano Loong Yan, a rocha Dragão. Mosaico construído com imagens obtidas, provavelmente, a 12 de janeiro de 2014 (cliquem na imagem para a verem na sua máxima resolução).
Crédito: Academia Chinesa de Ciências/ Sérgio Paulino.

Podem encontrar mais imagens aqui.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Começa hoje o inverno

Pôr-do-sol na baía de Cascais. Imagem captada a 21 de dezembro de 2011.
Crédito: Sérgio Paulino.

Ocorre hoje, pelas 23:03 (hora de Lisboa), o solstício de inverno - o momento exato em que se inicia, oficialmente, o inverno no hemisfério norte. Do ponto de vista astronómico, o evento é assinalado pelo instante em que o Sol atinge a sua mínima declinação na esfera celeste (aproximadamente 23,5º a sul do equador).

A estação mais fria do ano irá prolongar-se por 88,99 dias, até ao próximo equinócio, que ocorrerá no dia 20 de março de 2015, pelas 22:45 (hora de Lisboa).

A palavra Solstício tem origem latina (solstitium) e está associada à ideia de que o Sol ficaria estacionário ao atingir os pontos extremos de declinação.

Curiosity deteta compostos orgânicos no interior da cratera Gale

Local da recolha de amostras de antigas argilas na rocha Cumberland, em Yellowknife Bay. Imagem obtida pelo robot Curiosity, a 19 de maio de 2013 (sol 279 da missão).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

Na terça-feira passada, cientistas da missão Curiosity anunciaram na Conferência de Outono da União Americana de Geofísica, em São Francisco, a deteção de aumentos episódicos nos níveis de metano no interior da cratera Gale, e de compostos orgânicos em amostras de antigas argilas colhidas na rocha Cumberland, em Yellowknife Bay. Estes resultados representam a primeira descoberta definitiva de ingredientes essenciais para a vida na superfície de Marte, e revelam um planeta quimicamente ativo, com compostos produzidos abaixo da superfície a serem libertados na atmosfera.

"Este aumento temporário de metano - subitamente para cima, e seguido de uma diminuição - diz-nos que deve haver uma fonte relativamente localizada", disse Sushil Atreya, investigador da missão Curiosity. "São muitas as fontes possíveis, biológicas ou não biológicas, tais como interações entre água e rocha."

Os cientistas usaram o espetrómetro laser sintonizável do mini-laboratório de análise química SAM (Sample Analysis at Mars), que segue a bordo do Curiosity, para medirem os níveis de metano atmosférico uma dúzia de vezes, num período aproximado de 20 meses. Durante cerca de dois meses, entre o final de 2013 e o início de 2014, o robot da NASA obteve quatro medições seguidas com uma média de 7200 partes por milhão por volume, um valor equivalente a 10 vezes os valores médios obtidos antes e depois destas leituras.

Ilustração mostrando possíveis vias para a produção de metano nas camadas rochosas abaixo da superfície de Marte, e para a sua subsequente remoção na atmosfera marciana.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/SAM-GSFC/Universidade de Michigan.

O Curiosity detetou, ainda, a presença de outras moléculas orgânicas em amostras de rocha pulverizada colhidas na rocha Cumberland. Estes compostos foram identificados usando o cromatógrafo de gás do SAM, e incluíam diversos derivados halogenados de hidrocarbonetos comuns na Terra e no espaço.

Embora possam ocorrer sem a presença de organismos vivos, os hidrocarbonetos são os alicerces químicos da vida, tal como a conhecemos. A deteção de compostos orgânicos na atmosfera e em amostras de rocha pulverizada, no interior da cratera Gale, não revelam se Marte alguma vez abrigou vida na sua superfície, mas lançam uma nova luz sobre os processos químicos atualmente em atividade na superfície marciana, e criam uma imagem renovada de um planeta outrora com condições favoráveis à vida.

"Vamos continuar a trabalhar nos quebra-cabeças que estas descobertas nos apresentam", afirmou John Grotzinger, líder da equipa científica da missão Curiosity. "Será que podemos aprender mais sobre a química ativa que provoca tais flutuações nos níveis de metano na atmosfera? Poderemos escolher alvos rochosos onde foram preservados compostos orgânicos identificáveis?"

Cromatograma obtido pelo SAM numa das amostras da rocha Cumberland (em comparação com um branco). Estão assinalados os seguintes compostos orgânicos: 1 - clorometano; 2 - diclorometano; 3 - triclorometano (clorofórmio); 4 - tetraclorometano; 5 - 1,2-dicloroetano; 6 - 1,2-dicloropropano; 7 - 1,2-diclorobutano; 8 - clorobenzeno.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

Os investigadores trabalharam muitos meses para determinarem se as moléculas identificadas em Cumberland seriam verdadeiramente marcianas. O SAM detetou em várias amostras compostos orgânicos que eram, na verdade, contaminantes terrestres transportados no interior do robot. Inúmeros testes e análises deram, no entanto, a confiança necessária na deteção de moléculas orgânicas de origem marciana.

É complicado identificar que compostos orgânicos se encontram em específico nas rochas, devido à presença de minerais de perclorato (ClO4-) nas rochas e solo marcianos. Quando aquecidos no interior do SAM, os percloratos alteram a estrutura das moléculas orgânicas, produzindo derivados halogenados que tornam incerta a identificação das moléculas originais.

"É muito promissora esta primeira identificação de carbono orgânico numa rocha em Marte", explica Roger Summons, membro da equipa científica da missão Curiosity. "Os compostos orgânicos são importantes porque podem dizer-nos mais sobre as vias químicas responsáveis pela sua formação e preservação. Por sua vez, [estas vias] informam-nos acerca das diferenças entre a Terra e Marte, e se os ambientes representados nas rochas sedimentares da cratera Gale, em particular, foram mais ou menos favoráveis para a acumulação de materiais orgânicos. Agora, o desafio é encontrar outras rochas no monte Sharp que possam ter um inventário diferente e mais extenso de compostos orgânicos."

Ilustração evidenciando alguns dos processos envolvidos na destruição de compostos orgânicos na superfície de Marte.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

Na semana passada foram, ainda, divulgados num artigo publicado na revista Science resultados surpreendentes da análise aos isótopos de hidrogénio de moléculas de água aprisionadas no interior da rocha Cumberland. Obtidos pelo espetrómetro laser sintonizável e pelo espetrómetro de massa quadrupolo do SAM, estes novos resultados revelam detalhes intrigantes sobre a evolução da água no planeta vermelho, ao longo dos últimos milhares de milhões de anos.

"É realmente interessante que as nossas medições dos gases extraídos de rochas antigas possam dizer-nos mais sobre a perda de água em Marte", disse Paul Mahaffy, investigador principal do SAM e primeiro autor deste trabalho. A razão deutério/hidrogénio (D/H) das moléculas de água do planeta vermelho tem mudado ao longo do tempo, porque o isótopo mais leve do hidrogénio, o prótio ou hidrogénio leve (H ou 1H), escapa das camadas mais altas da atmosfera marciana, muito mais facilmente que o seu isótopo mais pesado, o deutério (D ou 2H). Para determinarem como esta razão mudou ao longo do tempo, os cientistas podem comparar a água atualmente presente na atmosfera com a água aprisionada em rochas formadas em épocas mais remotas na história do planeta vermelho.

Os meteoritos marcianos encontrados na Terra podem fornecer alguma informação, mas este registo tem grandes lacunas. Nenhum destas rochas tem de perto a idade das rochas estudadas pelo Curiosity - aproximadamente entre 3,9 a 4,6 mil milhões de anos.

Os resultados agora divulgados revelam que a água da rocha Cumberland tem metade da razão D/H do vapor de água atualmente presente na atmosfera marciana, o que sugere que Marte perdeu grande parte da sua água desde que a rocha foi formada. Este valor é, no entanto, cerca de 3 vezes superior à razão da água originalmente fornecida ao planeta, se considerarmos que esse reservatório tinha uma proporção de deutério semelhante à dos oceanos terrestres. Isto sugere, também, que Marte perdeu muita da sua água original, antes da formação de Cumberland - um claro indicador de que o planeta sofreu alterações climáticas profundas muito cedo na sua história.

Podem encontrar mais detalhes acerca destes resultados aqui, aqui e aqui.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Rosetta relança debate sobre a origem dos oceanos terrestres

Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko numa imagem obtida pela câmara de navegação da sonda Rosetta, a 20 de novembro de 2014.
Crédito: ESA/Rosetta/NavCam.

Dados obtidos pelo instrumento ROSINA (Rosetta Orbiter Spectrometer for Ion and Neutral Analysis) da sonda Rosetta indicam que a água da cabeleira do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko é significativamente diferente da água dos oceanos terrestres. A descoberta foi divulgada na semana passada, num artigo publicado na revista Science, e intensifica o debate em torno de uma das mais importantes questões acerca da formação do nosso planeta e da origem da vida na Terra: donde terá vindo a água dos nossos oceanos?

"Sabíamos que a análise in situ deste cometa (...) iria trazer-nos sempre surpresas para o quadro mais geral da ciência do Sistema Solar, e esta excecional observação alimenta, certamente, o debate sobre a origem da água da Terra", afirmou Matt Taylor, cientista da missão Rosetta.

Há 4,6 mil milhões de anos, a jovem Terra seria demasiado quente para que compostos voláteis como a água pudessem condensar na sua superfície. Neste cenário, os cientistas concordam que a água teria chegado ao nosso planeta a bordo da miríade de asteróides e cometas que bombardearam o Sistema Solar interior, numa fase posterior da evolução dos planetas. Porém, permanece ainda por esclarecer qual terá sido o contributo relativo de cada uma das classes de objetos no fornecimento de água à superfície terrestre.

A chave para a resolução deste enigma encontra-se na razão deutério/hidrogénio (D/H) presente nas moléculas de água dos diferentes objetos. O deutério (D ou 2H) é um dos dois isótopos estáveis do hidrogénio, diferindo apenas do isótopo mais abundante, o prótio ou hidrogénio leve (H ou 1H), pela presença de um neutrão adicional no seu núcleo.

Ilustração mostrando os dois principais reservatórios de cometas: a Cintura de Kuiper (30 a 50 UA de distância do Sol) e a Nuvem de Oort (50000 a 100000 UA de distância do Sol).
Crédito: ESA.

A razão D/H é um importante indicador das condições de formação e evolução do Sistema Solar. Modelos teóricos sugerem que, logo após a formação do Sol, reações químicas entre os gases e a superfície dos grãos microscópicos precursores dos primeiros planetesimais induziram uma crescente concentração de deutério nas regiões mais frias e remotas do disco protoplanetário. Tendo em conta este mecanismo, os cientistas têm procurado determinar quais os principais contribuintes para a água do nosso planeta, comparando as razões D/H de diferentes objetos do Sistema Solar com a dos oceanos da Terra.

Os cometas são ferramentas particularmente úteis no estudo das condições presentes nos primórdios da formação do Sistema Solar. Compostos por materiais primitivos do disco protoplanetário, estes objetos encerram em si pistas fundamentais para a composição primordial dos locais onde foram formados.

Devido à dinâmica da evolução do Sistema Solar, este não é, no entanto, um processo simples. Os cometas de longo período formaram-se, inicialmente, na mesma região onde emergiram os planetas Urano e Neptuno. Mais tarde, foram arremessados para a distante Nuvem de Oort, como resultado de interações gravitacionais com os gigantes gasosos.

Da mesma forma, os cometas da família de Júpiter, à qual pertence o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, foram, provavelmente, formados na Cintura de Kuiper, uma região situada além da órbita de Neptuno. Desalojados do seu local de origem, estes objetos migraram em direção ao Sistema Solar interior, acabando em órbitas controladas pela influência gravitacional de Júpiter.

Razões D/H em diferentes objetos do Sistema Solar.
Crédito: Altwegg et al., 2014.

Constituídos por uma amálgama de rocha, água e outros compostos voláteis, os cometas são suspeitos óbvios no que diz respeito à origem dos oceanos terrestres. Medições da razão D/H realizadas em diferentes cometas revelaram uma vasta gama de valores. No entanto, dos 11 cometas até agora estudados, apenas o cometa 103P/Hartley 2 apresenta uma razão semelhante à dos oceanos terrestres.

Em contraste, medições realizadas nos meteoritos provenientes de objetos da Cintura de Asteroides mostram uma razão D/H muito semelhante à da água da Terra. Estes intrigantes resultados sugerem que, apesar dos asteroides possuírem uma proporção de água muito inferior à dos cometas, terão sido estes objetos os responsáveis pela maior parte da água dos nossos oceanos.

É neste contexto que os dados obtidos pela Rosetta são importantes. A razão D/H medida pelo instrumento ROSINA no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko é mais de 3 vezes superior à detetada nos oceanos terrestres e no cometa 103P/Hartley 2, um dos seus companheiros na família de Júpiter. Curiosamente, esta razão é ainda superior ao valor mais elevado alguma vez medido num objeto da Nuvem de Oort!

"Esta surpreendente descoberta poderá indicar origens diversas para os cometas da família de Júpiter - talvez estes objetos se tenham formado numa gama de distâncias (...) muito superior ao que anteriormente pensávamos", afirmou Kathrin Altwegg, investigadora principal do instrumento ROSINA, e primeira autora do artigo. "A nossa descoberta contraria, também, a ideia de que os cometas da família de Júpiter contêm somente água semelhante à da Terra, e dá mais peso aos modelos que colocam mais ênfase nos asteroides como principal mecanismo de entrega [de água] aos oceanos da Terra."

Podem ler mais detalhes sobre este trabalho aqui.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Curiosity encontra evidências de lagos perenes no interior da cratera Gale

Representação artística de um lago no interior da cratera Gale.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

Observações realizadas pelo robot Curiosity indicam que o monte Sharp foi formado por sedimentos depositados no leito de um grande lago no interior da cratera Gale, ao longo de dezenas de milhões de anos. Esta interpretação sugere que Marte terá mantido no passado um clima suficientemente quente e húmido para albergar lagos perenes em diversos locais do planeta vermelho.

"Se a nossa hipótese para o monte Sharp estiver correta, irá desafiar a noção de que as condições de calor e humidade em Marte eram transitórias, locais ou apenas subsuperficiais", afirmou Ashwin Vasavada, membro da equipa científica da missão Curiosity. "Uma explicação mais radical é a de que a antiga atmosfera marciana terá elevado as temperaturas acima do ponto de congelação a nível global, mas até agora não sabemos como terá feito isso."

Reconstrução da geologia do local onde atualmente se encontra o robot Curiosity. Rios provenientes de depósitos de neve acumulados na orla montanhosa da cratera Gale teriam fluído para o interior da cratera, criando um leque aluvial e um delta. A região teria oscilando entre períodos secos e húmidos, como é ilustrado na figura. Durante os períodos húmidos, o interior da cratera estaria preenchido por um grande lago.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

Continua a ser intrigante a razão pela qual esta enorme montanha estratificada se eleva no interior de uma cratera. Com cerca de 5,5 quilómetros de altura, Monte Sharp (oficialmente conhecido por Aeolis Mons) exibe nas suas faldas centenas de camadas de rochas sedimentares. Estas camadas guardam os vestígios de sucessivos ciclos de formação e evaporação de um lago marciano com um tamanho e duração muito superiores aos de qualquer outra antiga massa de água previamente detetada na superfície do planeta vermelho.

"Estamos a abrir caminho na resolução do mistério do monte Sharp", disse John Grotzinger, investigador principal da missão Curiosity. "Onde agora existe uma montanha, deverá ter existido antes uma série de lagos."

Afloramento rochoso em Hidden Valley, no interior da cratera Gale, mostrando um conjunto de estratos laminados sugestivos de sedimentos depositados no leito de um antigo lago, no interior ou nas proximidades de um delta. Imagem obtida pelo Curiosity a 07 de agosto de 2014 (sol 712 da missão).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

Neste momento, o Curiosity encontra-se a explorar as camadas inferiores do monte Sharp - uma secção de rocha com 150 metros de altura, denominada formação de Murray. No passado, rios provenientes da orla da cratera Gale arrastaram areia e silte para o interior do lago, depositando sedimentos na foz, que formaram deltas semelhantes aos encontrados na foz de rios terrestres. Este ciclo repetiu-se inúmeras vezes ao longo de dezenas de milhões de anos.

"O que é interessante acerca de um lago que ocorre repetidamente, uma e outra vez, é que, de cada vez que se forma, temos um novo conjunto de condições que nos dizem como funciona o ambiente", explica Grotzinger. "À medida que o Curiosity for subindo pelas encostas do monte Sharp, teremos uma série de condições que irão mostrar padrões de como interagiram a atmosfera, a água e os sedimentos. Esta é uma hipótese suportada pelo que observámos até agora, o que nos dá uma base de trabalho para testarmos no próximo ano."

Depois da cratera ter acumulado sucessivas camadas de sedimentos, e destes se terem transformado em rocha dura, os ventos marcianos encarregaram-se de esculpir os estratos sedimentares junto à orla da cratera, dando forma, ao longo do tempo, à estrutura montanhosa que hoje se ergue no centro de Gale. Na sua longa viagem pela planície que separa o monte Sharp da orla montanhosa da cratera, o Curiosity desvendou importantes pistas acerca das sucessivas mudanças de forma do chão da cratera durante a era dos lagos.

Estratificação entrecruzada em Whale Rock, uma evidência de correntes no interior de um antigo delta. Imagem obtida a 02 de novembro de 2014 (sol 796 da missão).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

"Encontrámos rochas sedimentares sugestivas de antigos pequenos deltas, empilhados uns em cima dos outros", disse Sanjeev Gupta, investigadora do Colégio Imperial, em Londres, no Reino Unido, e membro da equipa científica da missão. "O Curiosity passou uma fronteira que separa um ambiente dominado por rios de um ambiente dominado por lagos."

São várias as evidências de que Marte teve outrora um clima muito mais húmido. Porém, os cientistas não conseguiram identificar ainda as condições que poderiam ter produzido períodos de calor suficientemente longos para permitirem a presença de massas de água líquida estáveis na superfície do planeta.

A NASA tem usado o Curiosity para avaliar não só a potencial habitabilidade de antigos ambientes no interior da cratera Gale, mas também as alterações climáticas ocorridas no planeta, ao longo de milhões de anos. O projeto é ainda um elemento fundamental na preparação de uma missão tripulada a Marte, na década de 2030. "O conhecimento da evolução do ambiente marciano, adquirido através da compreensão de como se formou o monte Sharp, irá também ajudar-nos a planear futuras missões para procurar sinais de vida marciana", afirmou Michael Meyer, investigador principal do Programa de Exploração de Marte da NASA.

Para mais pormenores, assistam aqui à teleconferência de ontem sobre esta descoberta.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Um pequeno mundo redondo

Ceres visto pela sonda Dawn, a 1 de dezembro de 2014.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/UCLA/MPS/DLR/IDA.

No passado dia 1 de dezembro, a Dawn obteve um vislumbre de Ceres, o maior objeto da Cintura de Asteroides. Na altura, a sonda da NASA encontrava-se a 1,2 milhões de quilómetros de distância do planeta anão, o equivalente a aproximadamente 3 vezes a distância média entre a Terra e a Lua.

A imagem serviu apenas para calibrar a câmara da Dawn, no entanto, nela podemos ver, claramente, um disco com cerca de 9 pixels de diâmetro - um pequeno mundo arredondado, moldado pela força da gravidade.

A Dawn entrará na órbita de Ceres no próximo dia 6 de março. Neste momento, as melhores imagens do planeta anão pertencem ainda ao telescópio espacial Hubble. Porém, tudo mudará dentro de algumas semanas.

A Dawn iniciará a fase de aproximação a Ceres no próximo dia 26 de dezembro. Durante esse período, a sonda irá desligar ocasionalmente o seu sistema de propulsão para fotografar o planeta anão à medida que navega na sua direção. A partir do dia 26 de janeiro, as imagens obtidas pela Dawn terão uma resolução superior à das imagens do Hubble, pelo que nessa altura iniciar-se-á, definitivamente, um novo capítulo na exploração deste pequeno mundo.

sábado, 6 de dezembro de 2014

ADN sobrevive a reentrada na atmosfera terrestre

Lançamento do foguetão-sonda TEXUS-49, a partir do Centro Espacial de ESRANGE, na Suécia.
Crédito: Adrian Mettauer.

Moléculas de ADN sobreviveram intactas a um voo balístico suborbital, numa experiência realizada por cientistas da Universidade de Zurique, na Suíça, num foguetão-sonda do programa alemão TEXUS (Technologie-Experimente unter Schwerelosigkeit). Expostas a condições de microgravidade durante pouco mais de 6 minutos, e a temperaturas e acelerações extremas durante a reentrada na atmosfera terrestre, as moléculas de ADN retiveram a sua integridade e função biológica, expressando a sua informação genética em bactérias e células eucarióticas. Estes surpreendentes resultados foram divulgados num artigo recentemente publicado na revista PLOS ONE.

A equipa liderada pelos investigadores suíços Cora Thiel e Oliver Ulrich depositou amostras com plasmídeos artificiais (pequenas moléculas circulares de ADN de dupla cadeia) na superfície externa da secção de carga do foguetão-sonda TEXUS-49, um pequeno engenho lançado a 29 de março de 2011, a partir do Centro Espacial de ESRANGE, no norte da Suécia. Após um voo suborbital a uma altitude máxima de 268 quilómetros e uma violenta reentrada na atmosfera terrestre, os plasmídeos foram recuperados e analisados em laboratório para verificar a sua integridade e funcionalidade.

Para surpresa dos investigadores, uma parte significativa dos plasmídeos reteve em pleno a sua função biológica, expressando um gene de resistência a antibióticos numa estirpe de Escherichia coli, e um gene que codifica uma proteína fluorescente em fibroblastos de ratinho. "Este estudo fornece a primeira evidência experimental de que a informação genética do ADN é essencialmente capaz de sobreviver às condições extremas do espaço e à reentrada na densa atmosfera da Terra", afirmou Oliver Ulrich.

Cora Thiel e Oliver Ullrich recolhendo ADN da superfície do foguetão-sonda TEXUS-49.
Crédito: Adrian Mettauer.

Denominada DARE (DNA atmospheric re-entry experiment), esta experiência partiu de uma ideia espontânea de Ulrich e da sua colega Cora Thiel. Na altura, os dois investigadores preparavam uma série de experiências na missão TEXUS-49, para estudarem o papel da gravidade na regulação da expressão génica em células humanas. Durante a montagem do material necessário para as experiências, Ulrich e Thiel começaram a pensar se não seria possível acomodar na estrutura externa do foguetão uma experiência adicional para testar a estabilidade de potenciais bioassinaturas. "Bioassinaturas são moléculas que poderão provar a existência de vida extraterrestre presente ou passada", explicou Thiel.

Concebido como um teste preliminar, a experiência acabou por produzir resultados inesperados. Durante a viagem, os plasmídeos estiveram sujeitos a picos de aceleração de 13,5 g, durante a subida, e de 17,6 g, na reentrada atmosférica. Nas duas fases, as temperaturas atingiram, respetivamente, máximos de 115,4 e 128,3º C. "Ficámos completamente surpreendidos com a quantidade de ADN intacto e funcionalmente ativo", disse Thiel.

O estudo sugere que a informação genética do ADN poderá sobreviver às mais extremas condições do ambiente espacial, e que biomarcadores como o ADN poderão alcançar diferentes planetas do Sistema Solar, a bordo de sondas interplanetárias ou no interior de partículas de poeira ou de meteoritos. "Os resultados mostram que não é de forma alguma improvável que, apesar de todos as medidas de segurança, sondas espaciais possam transportar ADN terrestre para os seus locais de pouso", afirmou Ulrich. "Precisamos de ter isto sob controlo quando estivermos à procura de vida extraterrestre."

Podem ler mais pormenores sobre este trabalho aqui.