Foi com grande entusiasmo que, no início dos anos 90, a NASA anunciou uma inesperada descoberta em Mercúrio. Munidos do sistema de radar Goldstone-VLA, cientistas planetários americanos identificaram nas regiões polares do planeta superfícies com elevada reflectividade radar, que sugeriam a presença de depósitos de gelo de água no interior das crateras mais profundas. Esta extraordinária descoberta viria a ser confirmada nos anos seguintes em sucessivos mapeamentos da região realizados pelo Radiotelescópio de Arecibo.
Gelo na superfície de Mercúrio? Como poderia sobreviver gelo de água num planeta tão próximo do Sol? A resposta está na inclinação do eixo de rotação do tórrido planeta. De acordo com as mais recentes medições realizadas pela sonda MESSENGER, o eixo de rotação de Mercúrio tem uma inclinação inferior a 1º, o que permite a existência de pequenas áreas permanentemente sombrias no interior das crateras mais profundas das regiões polares. Como nunca são aquecidas pelo Sol, estas superfícies mantêm-se a temperaturas suficientemente baixas para aí aprisionar gelo de água por longos períodos de tempo.
Imagens de radar da região do pólo norte de Mercúrio, obtidas a partir do observatório de Arecibo em Julho de 1999 (a) e em Agosto de 2004 (b) (resolução: 1,5 km/pixel). As zonas mais claras correspondem a superfícies com elevada reflectividade radar. A seta indica a direcção de incidência média do radar.
Crédito: John Harmon, Martin Slade e Melissa Rice (imagem publicada na revista Icarus, no artigo de 2011 Radar imagery of Mercury’s putative polar ice: 1999–2005 Arecibo results).
Um dos principais objectivos da missão primária da MESSENGER (concluída no passado dia 18 de Março) era recolher dados que permitissem determinar a natureza dos misteriosos depósitos polares. Anteontem, membros da equipa científica da missão apresentaram na 43ª Lunar and Planetary Science Conference (a decorrer durante esta semana) os primeiros resultados dessas observações.
Nancy Chabot, membro da equipa responsável pelo Mercury Dual Imaging System (MDIS), mostrou a localização das superfícies com elevada reflectividade radar em imagens da região do pólo norte de Mercúrio obtidas pela MESSENGER. Nas imagens foi possível verificar que todas as zonas brilhantes se encontram em áreas permanentemente abrigadas da luz solar. Chabot revelou ainda que quase todas as crateras com mais de 10 quilómetros de diâmetro situadas acima dos 80º de latitude (crateras profundas e complexas) contêm os misteriosos depósitos. Estas observações são consistentes com a hipótese dos depósitos serem constituídos por gelo de água.
O pólo norte de Mercúrio numa projecção estereográfica construída com imagens obtidas pela sonda MESSENGER. Estão desenhadas a cada 5º as linhas de latitude e a cada 30º as linhas de longitude (os 0º de longitude correspondem à linha vertical de baixo). As superfícies brilhantes ao radar mapeadas pelo Radiotelescópio de Arecibo estão assinaladas a amarelo.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.
Greg Neumann apresentou resultados obtidos pelo instrumento Mercury Laser Altimeter (MLA) que complicam, no entanto, as conclusões de Chabot. Apesar do MLA ser usado essencialmente para medir a topografia de Mercúrio, a intensidade do brilho do pulso de luz devolvido pela superfície mercuriana pode fornecer interessantes informações relativas à sua composição. Se existisse gelo de água nas zonas permanentemente sombrias das crateras polares de Mercúrio seria de esperar a detecção de um intenso pulso de retorno no altímetro da MESSENGER. Na verdade, não foi isso aconteceu. Sempre que o laser do MLA incidia nessas superfícies, o pulso de retorno detectado era muito menos brilhante que o das regiões iluminadas pelo Sol. E isto acontece apesar da superfície de Mercúrio ser das mais escuras do Sistema Solar (mais escura ainda que a superfície da Lua)!
Então qual é afinal a natureza deste bizarro material escuro? A solução para este enigma poderá estar nas temperaturas destas áreas permanentemente obscuras. Baseados nos perfis topográficos obtidos pelo MLA, cientistas da missão criaram um modelo que mostra as temperaturas médias e extremas das regiões polares de Mercúrio. O que descobriram é verdadeiramente curioso. Como seria de esperar, no modelo as zonas mais frias encontram-se nas áreas inacessíveis à luz solar, os mesmos locais onde se acumulam os depósitos com alta reflectividade radar. No entanto, estas superfícies não são suficientemente frias para que o gelo de água se mantenha estável por longos períodos de tempo. A situação altera-se porém a profundidades de 10 a 20 cm, regiões onde a temperatura desce aos 100 K (-173º C). É aqui (numa profundidade acessível ao radar) que os depósitos de gelo subsistem.
Mas então o que se encontra na superfície? Como explicou David Paige na sua apresentação, existem muitos materiais com as características observadas. Os melhores candidatos são, no entanto, compostos orgânicos complexos semelhantes aos encontrados nos meteoritos condritos carbonáceos. Estes compostos seriam voláteis noutras regiões de Mercúrio, mas nas áreas permanentemente escondidas da luz solar encontram condições ideais para se consolidarem numa fina camada negra acima do gelo.
Os cientistas da missão aguardam agora a conclusão da análise dos dados obtidos pelo espectrómetro de neutrões para poderem determinar com maior precisão a natureza destes compostos. Esperam-se assim nos próximos meses novos segredos revelados nestes locais recônditos do Sistema Solar.
Gelo na superfície de Mercúrio? Como poderia sobreviver gelo de água num planeta tão próximo do Sol? A resposta está na inclinação do eixo de rotação do tórrido planeta. De acordo com as mais recentes medições realizadas pela sonda MESSENGER, o eixo de rotação de Mercúrio tem uma inclinação inferior a 1º, o que permite a existência de pequenas áreas permanentemente sombrias no interior das crateras mais profundas das regiões polares. Como nunca são aquecidas pelo Sol, estas superfícies mantêm-se a temperaturas suficientemente baixas para aí aprisionar gelo de água por longos períodos de tempo.
Imagens de radar da região do pólo norte de Mercúrio, obtidas a partir do observatório de Arecibo em Julho de 1999 (a) e em Agosto de 2004 (b) (resolução: 1,5 km/pixel). As zonas mais claras correspondem a superfícies com elevada reflectividade radar. A seta indica a direcção de incidência média do radar.
Crédito: John Harmon, Martin Slade e Melissa Rice (imagem publicada na revista Icarus, no artigo de 2011 Radar imagery of Mercury’s putative polar ice: 1999–2005 Arecibo results).
Um dos principais objectivos da missão primária da MESSENGER (concluída no passado dia 18 de Março) era recolher dados que permitissem determinar a natureza dos misteriosos depósitos polares. Anteontem, membros da equipa científica da missão apresentaram na 43ª Lunar and Planetary Science Conference (a decorrer durante esta semana) os primeiros resultados dessas observações.
Nancy Chabot, membro da equipa responsável pelo Mercury Dual Imaging System (MDIS), mostrou a localização das superfícies com elevada reflectividade radar em imagens da região do pólo norte de Mercúrio obtidas pela MESSENGER. Nas imagens foi possível verificar que todas as zonas brilhantes se encontram em áreas permanentemente abrigadas da luz solar. Chabot revelou ainda que quase todas as crateras com mais de 10 quilómetros de diâmetro situadas acima dos 80º de latitude (crateras profundas e complexas) contêm os misteriosos depósitos. Estas observações são consistentes com a hipótese dos depósitos serem constituídos por gelo de água.
O pólo norte de Mercúrio numa projecção estereográfica construída com imagens obtidas pela sonda MESSENGER. Estão desenhadas a cada 5º as linhas de latitude e a cada 30º as linhas de longitude (os 0º de longitude correspondem à linha vertical de baixo). As superfícies brilhantes ao radar mapeadas pelo Radiotelescópio de Arecibo estão assinaladas a amarelo.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.
Greg Neumann apresentou resultados obtidos pelo instrumento Mercury Laser Altimeter (MLA) que complicam, no entanto, as conclusões de Chabot. Apesar do MLA ser usado essencialmente para medir a topografia de Mercúrio, a intensidade do brilho do pulso de luz devolvido pela superfície mercuriana pode fornecer interessantes informações relativas à sua composição. Se existisse gelo de água nas zonas permanentemente sombrias das crateras polares de Mercúrio seria de esperar a detecção de um intenso pulso de retorno no altímetro da MESSENGER. Na verdade, não foi isso aconteceu. Sempre que o laser do MLA incidia nessas superfícies, o pulso de retorno detectado era muito menos brilhante que o das regiões iluminadas pelo Sol. E isto acontece apesar da superfície de Mercúrio ser das mais escuras do Sistema Solar (mais escura ainda que a superfície da Lua)!
Então qual é afinal a natureza deste bizarro material escuro? A solução para este enigma poderá estar nas temperaturas destas áreas permanentemente obscuras. Baseados nos perfis topográficos obtidos pelo MLA, cientistas da missão criaram um modelo que mostra as temperaturas médias e extremas das regiões polares de Mercúrio. O que descobriram é verdadeiramente curioso. Como seria de esperar, no modelo as zonas mais frias encontram-se nas áreas inacessíveis à luz solar, os mesmos locais onde se acumulam os depósitos com alta reflectividade radar. No entanto, estas superfícies não são suficientemente frias para que o gelo de água se mantenha estável por longos períodos de tempo. A situação altera-se porém a profundidades de 10 a 20 cm, regiões onde a temperatura desce aos 100 K (-173º C). É aqui (numa profundidade acessível ao radar) que os depósitos de gelo subsistem.
Mas então o que se encontra na superfície? Como explicou David Paige na sua apresentação, existem muitos materiais com as características observadas. Os melhores candidatos são, no entanto, compostos orgânicos complexos semelhantes aos encontrados nos meteoritos condritos carbonáceos. Estes compostos seriam voláteis noutras regiões de Mercúrio, mas nas áreas permanentemente escondidas da luz solar encontram condições ideais para se consolidarem numa fina camada negra acima do gelo.
Os cientistas da missão aguardam agora a conclusão da análise dos dados obtidos pelo espectrómetro de neutrões para poderem determinar com maior precisão a natureza destes compostos. Esperam-se assim nos próximos meses novos segredos revelados nestes locais recônditos do Sistema Solar.
Sem comentários:
Enviar um comentário