terça-feira, 31 de março de 2015

Três crescentes

As luas Titã, Reia e Mimas vistas pela sonda Cassini, a 25 de março de 2015.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute/Sérgio Paulino.

A Cassini iniciou este mês a segunda fase equatorial da missão Solstício, um período no qual completará uma série de órbitas no plano dos anéis de Saturno e da maioria das suas principais luas. Na semana passada, a sonda da NASA tirou partido desta nova trajetória para captar esta espetacular imagem de um invulgar alinhamento entre as luas Titã, Reia e Mimas.

A mesma imagem com legenda.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute/Sérgio Paulino.

Titã era, na altura, a lua mais distante. Reia tem quase 4 vezes o diâmetro de Mimas, mas encontrava-se um pouco mais próxima da Cassini, o que acentua ligeiramente a diferença de tamanhos entre as duas luas. O ângulo de iluminação permitia vislumbrar apenas uma pequena porção da superfície de Reia, no entanto, era ainda assim suficiente para evidenciar os contornos da bacia de Tirawa, uma cratera de impacto com cerca de 360 km de diâmetro.

domingo, 29 de março de 2015

Terá Júpiter destruído os primeiros planetas do Sistema Solar?

Júpiter e Io vistos pela sonda Cassini, a 01 de janeiro de 2001.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute/Kevin M. Gill.

O nosso Sistema Solar é estranho. Se olharmos para os sistemas planetários até agora descobertos, verificamos que a maioria alberga planetas com massas substancialmente superiores à da Terra, que orbitam as suas estrelas hospedeiras a distâncias muito inferiores à que separa Mercúrio do Sol. Mais ainda, muitos destes sistemas são incrivelmente compactos, possuindo vários planetas em órbitas muito próximas da respetiva estrela.

Porque é, então, o nosso Sistema Solar tão diferente dos outros? A resposta poderá estar no gigante Júpiter. De acordo com um novo estudo publicado na semana passada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, Júpiter poderá ter aniquilado uma população primordial de planetas massivos, que originalmente residiam em órbitas muito próximas do Sol.

"O nosso trabalho sugere que as migrações de Júpiter poderão ter destruído uma primeira geração de planetas, preparando o terreno para a formação dos planetas telúricos com baixa massa, que o Sistema Solar possui hoje", explica Konstantin Batygin, investigador do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, e primeiro autor deste trabalho. "Tudo isto se adapta de forma maravilhosa a outros recentes desenvolvimentos na compreensão de como o Sistema Solar evoluiu, ao mesmo tempo que preenche algumas lacunas."

De acordo com Batygin e o seu colega Gregory Laughlin, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, Júpiter é crucial na compreensão da atual configuração do Sistema Solar. Para entenderem como as migrações do planeta afetaram a formação e distribuição dos planetas interiores, os dois investigadores criaram um modelo que incorpora um cenário apresentado pela primeira vez em 2001, por um grupo da Universidade Queen Mary, no Reino Unido, e revisitado em 2011 pela equipa do Observatório de Nice, em França.

Conhecido por hipótese Grand Tack, este cenário transporta-nos para os primeiros milhões de anos de vida do Sistema Solar, quando o Sol se encontrava ainda rodeado por um enorme disco de gás e poeira. Na altura, Júpiter era um planeta em crescimento, formado provavelmente não muito longe da mesma região onde hoje se encontra. Com uma massa cada vez maior, o jovem planeta começou a interagir gravitacionalmente com o material do disco, o que provocou a sua migração em direção ao interior do Sistema Solar, até uma região situada a apenas 1,5 UA de distância do Sol (aproximadamente a região onde hoje se encontra a órbita de Marte).

"Júpiter teria continuado nesse caminho, acabando eventualmente por ser arremessado contra o Sol, não fosse [a presença de] Saturno", disse Batygin. Saturno formou-se, provavelmente, logo a seguir a Júpiter, mas terá migrado em direção ao Sol a uma velocidade relativamente superior, o que permitiu que os dois planetas se aproximassem um do outro. Inevitavelmente, os dois gigantes viriam a ficar presos numa ressonância orbital 2:1 - uma relação especial onde os períodos orbitais de dois objetos podem ser expressos por uma razão de números inteiros.

A ressonância permitiu que os dois planetas sulcassem um espaço vazio comum no interior do disco, e que trocassem momento angular e energia orbital, com regularidade, entre si. Estas interações fizeram com que todo o material existente entre Júpiter e Saturno fosse deslocado para o exterior do Sistema Solar, o que reverteu o sentido de migração dos dois planetas, em direção às posições onde atualmente se encontram.

Mercúrio, Vénus, Terra e Marte teriam emergido neste cenário caótico, cerca de 10 milhões de anos após a formação do Sol, a partir de um grupo de planetesimais que povoariam um estreito anel, localizado na mesma região que hoje separa as órbitas de Vénus e da Terra. De acordo com a hipótese Grand Tuck, a fronteira exterior deste anel seria uma consequência da migração de Júpiter em direção ao Sol - um movimento que teria removido de forma eficiente todo o material presente no Sistema Solar interior, até à atual órbita do nosso planeta.

E a fronteira interior? Porque estariam os planetesimais limitados a uma região tão bem definida no lado mais próximo do Sol? "Este ponto não tinha sido ainda abordado", afirma Batygin.

Simulação do Sistema Solar interior, nos primeiros milhões de anos após a formação do Sol. Estão representadas a azul turquesa as órbitas dos planetesimais perturbados durante a primeira fase de migração de Júpiter (órbita a branco). Estes objetos teriam sido clocados em órbitas elípticas, que se sobreporiam às órbitas de planetesimais não perturbados pelo gigante (órbitas a amarelo).
Crédito: K.Batygin/Caltech.

A resposta poderá estar numa população primordial de super-Terras. O espaço vazio criado durante a migração de Júpiter corresponde quase na perfeição à região em redor de outras estrelas onde estes grandes planetas rochosos são tipicamente encontrados, pelo que é razoável especular que o nosso Sistema Solar albergou uma primeira geração de corpos planetários, que não sobreviveu ao violento processo de formação planetária.

"Não há qualquer razão para pensar que o processo dominante de formação de planetas, [observado] em toda a Galáxia, não tenha ocorrido aqui, [no Sistema Solar]", explica Batygin. "É mais provável que alterações posteriores tenham modificado a sua configuração original."

As simulações e cálculos de Batygin e Laughlin sugerem que, durante a migração de Júpiter em direção ao Sol, o planeta arrastou consigo todos os planetesimais que encontrou no caminho. À medida que estes objetos se aproximavam do Sol, as suas órbitas tornaram-se mais elípticas, criando as condições necessárias para o início de uma cascata de colisões catastróficas no Sistema Solar interior. O trabalho dos dois investigadores mostra que, durante este período, todos os planetesimais deverão ter colidido com outros objetos, pelo menos uma vez a cada 200 anos, o que os conduziu a uma série de fragmentações violentas e a trajetórias cada vez mais próximas do Sol.

Batygin e Laughlin fizeram ainda uma última simulação para determinarem o que aconteceria a uma população de super-Terras recém-formadas num cenário tão dantesco. O modelo sugere que os planetas seriam arrastados pelos planetesimais para órbitas decadentes num período aproximado de apenas 20 mil anos.

"É um processo físico muito eficiente", disse Batygin. "Precisaríamos apenas [de uma quantidade] de material com algumas vezes a massa da Terra para conduzir planetas com uma massa conjunta de dezenas de vezes a massa da Terra em direção ao Sol."

A reversão da migração de Júpiter teria levado a que uma fração dos planetesimais tivesse regressado a órbitas circulares. De acordo com os dois investigadores, a massa conjunta de Mercúrio, Vénus, Terra e Marte corresponde a apenas 10% de todo o material destruído nesta fase inicial da formação do Sistema Solar. A partir deste ponto, teriam sido necessários milhões de anos para que os quatro planetas emergissem dos destroços sobreviventes - um cenário que coincide com as observações que sugerem que a Terra se formou cerca de 100 a 200 milhões de anos após o nascimento do Sol.

Nesse período, o disco primordial de hidrogénio e hélio teria já desaparecido há muito, o que explica o facto de a Terra não possuir uma atmosfera de hidrogénio. Batygin espera que, ao contrário do nosso planeta, as super-Terras tenham uma atmosfera significativamente enriquecida em hidrogénio, o que denunciaria a sua formação numa fase precoce do processo de formação dos planetas. "O que isto significa, no fim, é que os planetas verdadeiramente parecidos com a Terra são intrinsecamente pouco comuns", acrescenta Batygin.

Os dois investigadores esperam agora que a descoberta e caracterização de novos sistemas planetários possa desvendar a existência de configurações semelhantes à do Sistema Solar, o que traria maior solidez à sua hipótese.

Podem ler todos os detalhes deste trabalho aqui.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Lua poderá ter tubos de lava gigantescos

Magma fluindo no interior de um tubo de lava, no vulcão de Kilauea, no Hawaii.
Crédito: USGS.

Os tubos de lava lunares poderão ser grandes o suficiente para albergarem cidades do tamanho de Coimbra, sugere um novo estudo apresentado na semana passada na 46ª Conferência de Ciência Lunar e Planetária, nos Estados Unidos. Criados por antigos fluxos de lava, estas imensas cavernas são abrigos naturais contra a radiação cósmica, os impactos de meteoroides e as temperaturas extremas da superfície da Lua, pelo que têm sido apontados como locais privilegiados para o estabelecimento de futuras colónias lunares.

"Tem havido alguma discussão sobre a possibilidade de existirem tubos de lava na Lua", afirmou Jay Melosh, professor na Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, e um dos autores deste trabalho. "Algumas evidências, como os vales sinuosos observados na superfície, sugerem que, caso existam, [estas estruturas] poderão ser realmente grandes."

Os vales sinuosos lunares são canais profundos que se pensa terem sido criados por antigos rios de lava. Algumas destas formações têm cerca de 10 km de diâmetro, o que levou os investigadores a ponderarem a possibilidade de existirem tubos de lava com dimensões semelhantes.

Esquema de um gigantesco tubo de lava lunar com uma representação da cidade de Philadelphia no seu interior.
Crédito: Purdue University/David Blair.

Usando modelos matemáticos, a equipa liderada por David Blair, da Universidade de Purdue, examinou a estabilidade estrutural de tubos de lava com mais de 1 km de diâmetro, quando sujeitos às condições de gravidade e amplitude térmica presentes na superfície da Lua.

"Descobrimos que, se os tubos de lava lunares tivessem uma forma fortemente arqueada como os da Terra, seriam estáveis com um tamanho até 5000 metros (...), disse Blair. "Isto não seria possível na Terra, contudo a gravidade é muito inferior na Lua e as rochas lunares não têm de suportar os mesmos processos erosivos. Em teoria, tubos de lava gigantescos - grandes o suficiente para albergarem uma cidade - poderiam ser estruturalmente sólidos na Lua."

Recorrendo à mesma tecnologia usada pela engenharia civil na conceção de túneis na Terra, os investigadores descobriram que a estabilidade dos tubos de lava lunares é igualmente afetada pela espessura do seu teto e pelo estado de stress da lava durante o seu arrefecimento. A equipa pretende agora acomodar nos seus modelos os efeitos da plasticidade das rochas e da sua evolução térmica de modo a definir de uma forma mais precisa as dimensões máximas destas estruturas.

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

terça-feira, 24 de março de 2015

Uma origem comum para os precursores do ARN, das proteínas e dos lípidos

Síntese de ribonucleótidos, aminoácidos e precursores dos lípidos partindo de uma rede de vias protometabólicas comum.
Crédito: Patel et al., 2015.

A origem da vida na Terra é um problema científico com paradoxos aparentemente incontornáveis. Para que a vida desse os seus primeiros passos, deve ter surgido muito cedo uma molécula codificadora (um polinucleótido como o ARN ou o ADN), capaz de preservar e transmitir às novas gerações a informação necessária para a produção das proteínas, os maestros do metabolismo celular. Contudo, mesmo as células mais simples não conseguem fabricar cópias de ADN e ARN sem a intervenção de proteínas. Para tornar este problema ainda mais complexo, nenhuma destas moléculas consegue executar as suas tarefas sem a presença de uma membrana fosfolipídica que conserve o conteúdo da célula no seu interior. A formação destas estruturas depende, por sua vez, de vias metabólicas orquestradas por enzimas proteicas, também elas, codificadas por moléculas de ADN.

Até agora os cientistas assumiam que os precursores destes três grupos de biomoléculas eram demasiado divergentes para que pudessem ter emergido em simultâneo de uma cascata química pré-biótica comum. Muitos dos trabalhos mais recentes sugerem que foi o ARN a molécula pioneira da vida, devido à sua capacidade de desempenhar duas funções biológicas fundamentais: o armazenamento de informação genética e a catálise de reações bioquímicas. No entanto, alguns investigadores argumentam que pequenas moléculas orgânicas contendo metais de transição (como o ferro, o cobre ou níquel) poderiam ter sintetizado os blocos de construção das biomoléculas mais complexas.

Cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, vêm agora propor uma visão alternativa que soluciona de forma simples e elegante todos estes paradoxos. Num artigo publicado na semana passada na revista Nature Chemistry, a equipa liderada pelo químico inglês John Sutherland demonstra como um par de moléculas simples, provavelmente abundantes na Terra primitiva, poderiam ter criado uma rede de reações químicas simples, capazes de produzirem os precursores químicos do ARN, das proteínas e dos lípidos - moléculas essenciais para o aparecimento das primeiras células. Apesar de não provar que foi esta a forma como a vida emergiu no nosso planeta, este trabalho poderá eventualmente ajudar os cientistas a desvendarem um dos mais insondáveis mistérios da ciência moderna.

Em 2009, Sutherland e colegas descobriram que dois dos ribonucleótidos precursores do ARN poderiam ser produzidos sem a intervenção de enzimas, através de sequências de reações inciadas por compostos simples como o acetileno (C2H2) e o formaldeído (HCHO). Contudo, estas moléculas são, ainda assim, relativamente complexas, pelo que os investigadores decidiram reformular a experiência recorrendo a materiais ainda mais simples.

Usando luz ultravioleta e iões de cobre como catalisadores, Sutherland e colegas criaram ribonucleótidos, aminoácidos e precusores de lípidos, a partir de uma simples mistura de ácido cianídrico (HCN) e ácido sulfídrico (H2S), dois compostos que se pensa terem sido abundantes na atmosfera primitiva da Terra. A experiência sugere que o nosso planeta teria reunido nos seus primórdios as condições necessárias para criar uma rede de vias protometabólicas anterior ao aparecimento das primeiras células. Esta descoberta mostra que os três principais grupos de biomoléculas poderiam ter surgido no nosso planeta em simultâneo, e que a vida poderá ter emergido como uma simples consequência da reatividade fundamental de compostos muito simples, trazidos pelo impacto de cometas e asteroides ao longo das primeiras centenas de milhões de anos de história do Sistema Solar.

Podem ler mais detalhes sobre este trabalho aqui.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Equinócio da Primavera

O pôr-do-Sol na lagoa de Óbidos no dia 13 de Março de 2010, com as Berlengas como pano de fundo. No dia do equinócio o Sol põe-se exactamente a oeste.
Crédito: Sérgio Paulino.

Ocorre amanhã, pelas 22:45 (hora de Lisboa), o equinócio da Primavera. Do ponto de vista astronómico, este instante é marcado pela passagem do Sol, no seu movimento aparente anual, pela linha imaginária do equador celeste em direção a norte. O evento assinala o início da Primavera no hemisfério norte, uma estação que se irá prolongar por 92,75 dias, até ao próximo solstício, que ocorrerá no dia 21 de junho, pelas 17:38 (hora de Lisboa).

Este equinócio tem a particularidade de coincidir com outro fenómeno astronómico relativamente raro: um eclipse solar visível em todo o território nacional como um eclipse parcial. Podem ler mais sobre este evento aqui.

domingo, 15 de março de 2015

Geologia de Mare Imbrium é mais complexa do que se pensava

O robot Yutu visto pela sonda Chang'e-3, em janeiro de 2014.
Crédito: Academia Chinesa de Ciências.

Cientistas chineses descobriram múltiplas camadas de rocha distintas sob o local de alunagem da sonda Chang'e-3, em Mare Imbrium, na Lua. As camadas foram detetadas pelo radar do robot Yutu e sugerem que a região teve uma história geológica muito mais complexa do que se pensava anteriormente.

A Chang'e-3 alcançou a superfície da Lua a 14 de dezembro de 2013, concretizando a primeira alunagem bem sucedida desde a chegada da sonda soviética Luna 24 a Mare Crisium, em agosto de 1976. No mesmo dia, a sonda chinesa fez descer por uma rampa o pequeno robot Yutu para uma viagem de exploração pela paisagem desolada em seu redor. Munido de um radar de penetração no solo, capaz de revelar estruturas subsuperficiais até uma profundidade de 400 metros, o Yutu obteve dados do subsolo lunar durante aproximadamente um mês, antes de uma avaria mecânica ditar a sua imobilização prematura a curta distância da sonda-mãe.

Local de alunagem da sonda Chang'e-3 (seta branca), numa imagem captada pela Lunar Reconnaissance Orbiter, a 16 de fevereiro de 2014.
Crédito: NASA/GSFC/Arizona State University.

No novo trabalho publicado anteontem na revista Science, a equipa liderada por Long Xiao, da Universidade de Geociências da China, apresenta os resultados da análise conduzida pelo radar do Yutu, durante a sua viagem sinuosa de 114 metros. De acordo com os investigadores, os dados enviados pelo pequeno robot denunciam a presença de pelo menos nove camadas rochosas distintas por debaixo do local de alunagem da sonda Chang'e-3.

As mais profundas representam fluxos de lava que inundaram a região há cerca de 3,3 mil milhões de anos. Nas camadas intermédias encontram-se fluxos significativamente mais recentes, com aproximadamente 2,5 mil milhões de anos de idade. Estas camadas podem ser observadas na superfície a oeste do local de alunagem da Chang'e-3.

Mapa da região noroeste de Mare Imbrium, contruído com dados obtidos pela sonda Lunar Reconnaissance Orbiter. Podemos ver neste mapa a proximidade do local de alunagem da sonda Chang'e-3 à fronteira entre dois tipos de rocha basáltica: uma mais antiga, com uma cor mais "castanha", e outra mais recente, com uma cor mais "azul".
Crédito: NASA/GSFC/Arizona State University.

Os estratos mais superficiais têm uma espessura média de 4 metros, e aparentam ser compostos por material ejetado por uma cratera vizinha de tamanho significativo. Baseados na densidade das crateras que cobrem a região, Xiao e colegas estimam que estas camadas foram formadas há 27 a 80 milhões de anos. Durante a sua viagem, o Yutu detetou ainda rochedos soterrados, provavelmente com origem na mesma cratera.

De acordo com os investigadores, estes resultados mostram que a Lua teve uma história geológica muito mais complexa. Os dados do Yutu revelam, ainda, a presença de atividade vulcânica por um período mais prolongado do que se pensava. A descoberta de rochas piroclásticas no local de alunagem é uma clara indicação de que terão ocorrido erupções explosivas no local, o que contraria a visão de que os gases aprisionados no manto lunar teriam escapado na sua totalidade quando a Lua se encontrava ainda em formação.

Podem encontrar todos os detalhes deste trabalho aqui.

sábado, 14 de março de 2015

Hubble confirma presença de um oceano no interior de Ganimedes

Representação artística das auroras de Ganimedes, com Jupiter visível à distância.
Crédito: NASA/ESA/G. Bacon (STScI).

Observações realizadas pelo telescópio espacial Hubble sugerem a presença de um oceano de água salgada por debaixo da crusta gelada de Ganimedes, a maior lua de Júpiter. A descoberta foi divulgada anteontem num artigo publicado no site da revista Journal of Geophysical Research: Space Physics.

Ganimedes é a maior lua do Sistema Solar e a única lua conhecida com o seu próprio campo magnético. Nas regiões equatoriais, esta estrutura estende-se a uma altitude superior a 2600 km, contudo, nas regiões polares, as linhas do campo magnético encontram-se abertas, expondo a ténue atmosfera de Ganimedes ao fluxo de partículas subatómicas provenientes do campo magnético de Júpiter. Quando estas partículas colidem a grande velocidade com as moléculas da atmosfera, provocam a sua fluorescência, o que leva à manifestação de auroras em estreitas bandas em redor dos polos da lua.

Representação das linhas do campo magnético gerado pelo núcleo de ferro de Ganimedes (a laranja). Podemos ver ainda o oceano de Ganimedes (a azul claro), rodeado por uma espessa crusta de gelo (a cinzento) e sobre um manto de gelo (a azul escuro) e rocha (a castanho).
Crédito: NASA/ESA/A. Feild (STScI).

A poderosa magnetosfera de Júpiter interage com o campo magnético de Ganimedes, o que provoca oscilações constantes na localização das auroras. Observações realizadas pelo Hubble vêm agora revelar que a amplitude destas oscilações é inferior à que seria de esperar se Ganimedes fosse um corpo inteiramente sólido.

"Estava sempre a pensar como poderíamos usar o telescópio de outras formas", disse Joachim Saur, investigador da Universidade de Colónia, na Alemanha, e primeiro autor deste trabalho. "Haverá alguma forma de usar um telescópio para olhar para o interior de um corpo planetário? Depois lembrei-me: as auroras! Como as auroras são controladas pelo campo magnético, se as observarmos de uma forma apropriada, podemos aprender algo acerca do campo magnético. Se conhecermos o campo magnético, então podemos saber algo acerca do interior da lua."

As auroras de Ganimedes detetadas pelo telescópio espacial Hubble, sobrepostas numa imagem da lua joviana construída a partir de dados obtidos pela sonda Galileo.
Crédito: NASA/ESA/Z. Levay (STScI).

Usando o telescópio espacial Hubble, a equipa liderada por Saur observou Ganimedes na banda do ultravioleta, região do espetro eletromagnético onde as auroras são mais brilhantes. O que descobriram foi que as auroras ganimedianas oscilam em altitude cerca de 2,2º, um valor significativamente inferior ao que seria de esperar se o interior da lua de Júpiter fosse inteiramente sólido (cerca de 5,8º).

Estes resultados sugerem a presença de um oceano de água salgada (eletricamente condutor) por debaixo da crusta de gelo de Ganimedes. A sua existência induziria um campo magnético secundário, que resistiria à influência da magnetosfera joviana, atenuando assim a amplitude de oscilação das auroras ganimedianas. De acordo com os dados, o oceano deverá ter uma profundidade de 100 km e estará escondido debaixo de uma crusta de gelo com cerca de 150 km de espessura. Caso se confirmem estes valores, o seu volume será superior ao equivalente a toda a água presente na superfície da Terra!

Os cientistas já suspeitavam da existência de um oceano subsuperficial em Ganimedes, baseados nas observações realizadas pela sonda Galileo, durante os seus encontros com a lua joviana entre 1996 e 2000. Com esta descoberta, Ganimedes entra definitivamente no roteiro dos mundos potencialmente habitáveis do Sistema Solar exterior - um grupo onde já estão incluídas as duas luas de Saturno, Titã e Encélado, e a lua joviana Europa.

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Amanhecer em Ceres

Ceres visto pela sonda Dawn, a 01 de março de 2015.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/UCLA/MPS/DLR/IDA.

A imagem de cima mostra o fino crescente de Ceres dias antes da Dawn alcançar a sua primeira órbita em redor deste pequeno mundo. Na passada sexta-feira, a sonda da NASA iniciou uma longa trajetória em arco, que a levará nas próximas semanas a sobrevoar o hemisfério nocturno de Ceres. Durante esse período, a Dawn irá manobrar lentamente em direção a uma órbita circular, a uma altitude de 13,5 mil quilómetros. As próximas imagens deverão ser captadas apenas na segunda semana de abril, quando a Dawn emergir, uma vez mais, sobre os terrenos iluminados do planeta anão.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Descobertas novas evidências de um antigo oceano no hemisfério norte de Marte

Representação artística do planeta Marte, há cerca de 4 mil milhões de anos.
Crédito: ESO/M. Kornmesser.

Marte teve um oceano com um volume de água superior ao do Oceano Ártico, na Terra, sugerem os resultados de um novo trabalho publicado hoje no site da revista Science. Usando o Very Large Telescope do Observatório Europeu do Sul, no Chile, e instrumentos do Observatório W. M. Keck e do Infrared Telescope Facility da NASA, no Hawaii, uma equipa internacional de cientistas mapeou as propriedades da água em diferentes regiões da atmosfera marciana, durante um período de 6 anos. Os dados recolhidos sugerem que o planeta vermelho terá perdido cerca de 87% do volume de água presente na sua superfície, logo após a sua formação.

Há cerca de 4 mil milhões de anos, Marte devia ter água suficiente para cobrir toda a sua superfície com uma camada líquida com 137 metros de profundidade. Contudo, devido à topografia do planeta, a água acumulou-se, certamente, nas vastas planícies do hemisfério norte, formando um oceano com uma área superior à do Oceano Atlântico, na Terra, e em algumas zonas com profundidades de mais de 1,6 km.

“O nosso estudo dá-nos uma estimativa robusta da quantidade de água que Marte teve no passado, através da determinação da quantidade de água que se perdeu para o espaço”, disse Geronimo Villanueva, investigador do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA, nos Estados Unidos, e autor principal do novo artigo. “Com este trabalho podemos perceber melhor a história da água em Marte.”

A estimativa agora divulgada baseia-se em observações detalhadas de duas formas de água ligeiramente diferentes na atmosfera marciana: a forma mais familiar, H2O, composta por um átomo de oxigénio e dois prótios (o isótopo de hidrogénio mais leve); e a água semi-pesada, HDO, uma variação que ocorre naturalmente na qual um dos prótios é substituído por um isótopo com o dobro da massa, o deutério. A forma mais leve perde-se com maior facilidade nas camadas superiores da atmosfera, pelo que a comparação da razão HDO/H2O presente na água atualmente existente em Marte com a da água aprisionada em meteoritos marcianos com mais de 4,5 mil milhões de anos permite aos cientistas determinar a quantidade de água que terá escapado para o espaço ao longo da história do planeta.

No estudo, a equipa de investigadores mapeou de forma repetida os níveis de H2O e HDO, durante quase seis anos terrestres - um período correspondente a cerca de três anos marcianos. Os dados resultantes revelaram não só a distribuição global de cada uma das duas formas de água ao longo do tempo, como também a sua razão. Baseados nos novos mapas, os investigadores observaram variações sazonais e microclimas nunca antes identificados.



"Estou uma vez mais espantado com o poder das observações remotas de outros planetas", afirmou Ulli Kaeufl, engenheiro do Observatório Europeu do Sul, e um dos coautores deste trabalho. "Descobrimos um antigo oceano a mais de 100 milhões de quilómetros de distância!"

A equipa focou-se particularmente nas regiões polares, locais onde se encontram as calotes polares - os maiores reservatórios de água do planeta. Pensa-se que o gelo aí aprisionado encerra o registo da evolução da água em Marte, desde o período Noachiano, que terminou há cerca de 3,7 mil milhões de anos atrás, até ao presente.

Os novos resultados mostram que a água atmosférica nestas regiões tem uma razão HDO/H2O sete vezes superior à dos oceanos terrestres, o que sugere que a água das calotes polares permanentes de Marte tem atualmente cerca oito vezes mais deutério do que teria logo após a formação do planeta. Este valor mostra que Marte terá perdido um volume 6,5 vezes superior ao da água atualmente existente nos dois polos, o que significa que o planeta vermelho teve um oceano primitivo com, pelo menos, 20 milhões de km3.

Tendo em conta a atual topografia de Marte, o antigo oceano deverá ter coberto grande parte das vastas planícies do hemisfério norte, ocupando uma área total equivalente a 19% da superfície do planeta. "Com Marte a perder tanta água, o planeta teria permanecido molhado durante um período de tempo maior do que se supunha anteriormente, sugerindo que o planeta poderia ter sido habitável durante mais tempo", disse Michael Mumma, investigador do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA, nos Estados Unidos, e coautor do novo artigo.

É possível que Marte tenha tido no passado um volume de água ainda superior, e que alguma se tenha abrigado no subsolo. Os microclimas e as variações temporais da água atmosférica agora observados poderão vir a ser úteis na identificação destes depósitos subterrâneos.

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Uma sombra sobre Imhotep

Foi ontem divulgada uma espetacular imagem da superfície do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, captada pela câmara OSIRIS durante o mergulho vertiginoso que a Rosetta realizou no passado dia 14 de fevereiro. A imagem revela detalhes sem precedentes de uma pequena área localizada junto à fronteira entre as regiões de Imhotep e Ash, e inclui a sombra difusa da sonda europeia projetada numa faixa de terreno rugosa.

Superfície do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko vista pela sonda Rosetta a 14 de fevereiro de 2015. A imagem foi obtida a cerca de 6 km de altitude e cobre uma área com aproximadamente 228 por 228 metros.
Crédito: ESA/Rosetta/MPS para a equipa OSIRIS/UPD/LAM/IAA/SSO/INTA/UPM/DASP/IDA.

A sombra encontra-se rodeada por uma auréola de terreno significativamente mais brilhante que a restante superfície visível na imagem. O fenómeno denomina-se efeito de oposição e é observado quando o Sol se posiciona diretamente atrás da câmara. Nestas condições, os objetos ocultam quase na perfeição as suas próprias sombras, pelo que os cientistas usam estas imagens para medirem com precisão as propriedades refletivas dos diferentes materiais. Estes dados são fundamentais para a determinação das dimensões dos grãos de poeira que cobrem a superfície do cometa.

Imagens de contexto obtidas pela câmara de navegação da sonda Rosetta, a 14 de fevereiro de 2015, mostrando a localização da imagem de cima.
Crédito: ESA/Rosetta/MPS para a equipa OSIRIS/UPD/LAM/IAA/SSO/INTA/UPM/DASP/IDA.

domingo, 1 de março de 2015

Vida exótica possível nos mares gélidos de Titã

Representação de um azotossoma de acrilonitrilo com cerca de 90 Å - o tamanho aproximado de um pequeno vírus.
Crédito: James Stevenson.

Investigadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, criaram um modelo de uma membrana celular composta por pequenas moléculas orgânicas azotadas, e com a capacidade de funcionar em metano líquido, a temperaturas próximas de -180 ºC. O trabalho foi divulgado num artigo publicado anteontem na revista Science Advances, e oferece um primeiro esboço da organização estrutural de um organismo vivo capaz de sobreviver e prosperar em ambientes tão extremos como os dos mares gelados de Titã.

As membranas celulares são estruturas biológicas que delimitam a fronteira entre o meio aquoso no interior da célula e o mundo aquoso no exterior. Presentes em todos os organismos terrestres, estas estruturas são compostas por uma bicamada fosfolipídica e proteínas, e constituem uma barreira seletiva para as trocas de iões e moléculas orgânicos entre a célula e o meio extracelular.

As pequenas vesículas formadas por estas membranas denominam-se lipossomas. Os lipossomas têm um ótimo desempenho em soluções aquosas, mas em solventes não polares como o metano, as cadeias fosfolipídicas perdem a sua flexibilidade e estabilidade, pelo que estas estruturas acabam por se dissolver. Além disso, os átomos de oxigénio e fósforo, componentes das cabeças polares dos fosfolípidos, nem sequer se encontram disponíveis nos mares de metano de Titã.

Molécula de fosfolipido (A), com as duas cadeias de ácido esteárico bem evidenciadas. Ao lado podemos ver uma pequena molécula de acrilonitrilo (B).
Crédito: Sérgio Paulino (construídas com o software Avogrado).

Intrigados com a possibilidade da existência de vida baseada no metano na maior lua de Saturno, os autores do trabalho aplicaram um método de simulação da dinâmica molecular a diversos compostos presentes na atmosfera titaniana, para verificarem a sua capacidade de automontagem em estruturas semelhantes a membranas no seio de uma solução de metano líquido. O estudo foi liderado por Paulette Clancy, uma especialista em dinâmica molecular, e por James Stevenson, aluno de doutoramento na área da engenharia química. A esta equipa juntou-se Jonathan Lunine, um especialista nas luas de Saturno, membro da equipa da missão Cassini.

"Não somos biólogos, nem somos astrónomos, mas temos as ferramentas corretas", disse Paulette Clancy. "Talvez tenha ajudado, porque não chegámos aqui com qualquer preconceito acerca do que deveria ou não estar presente numa membrana. Apenas trabalhámos com os compostos que sabíamos existirem por lá, e perguntámos: Se fosse esta a nossa paleta, o que é que poderíamos fazer a partir disto?"

Clancy e os seus colegas identificaram uma série de compostos azotados com a capacidade de formarem vesículas semelhantes a lipossomas, a temperaturas próximas das dos mares de Titã. Os investigadores deram a estas estruturas o nome de azotossomas. Para sua supresa, estas vesículas revelaram uma estabilidade e flexibilidade muito semelhantes à dos seus análogos terrestres, mas foram os azotossomas de acrilonitrilo os que demonstraram uma maior resistência à decomposição. O acrilonitrilo é um composto venenoso e sem cor, que se encontra presente na atmosfera titaniana. Na Terra, o acrilonitrilo é usado no fabrico de fibras acrílicas, resinas e termoplásticos.

Entusiasmados com estes resultados iniciais, os investigadores vão agora tentar demonstrar como se reproduziria e qual seria o metabolismo de uma célula delimitada por uma bicamada de acrilonitrilo num ambiente semelhante ao dos mares de Titã.

Podem encontrar todos os detalhes deste trabalho aqui.