O cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko visto pela câmara de navegação da sonda Rosetta a 16 de agosto de 2015.
Crédito: ESA/Rosetta/NavCam.
Dados obtidos pelo espetrómetro de massa ROSINA-DFMS da sonda
Rosetta revelaram a presença de oxigénio molecular (O
2) na cabeleira do cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko. A descoberta foi divulgada num
artigo recentemente publicado na revista
Nature, e sugere que o núcleo do cometa terá incorporado as moléculas de O
2 durante a sua formação, há aproximadamente 4,5 mil milhões de anos.
Desde há mais de 1 ano que a
Rosetta analisa repetidamente a composição química da atmosfera rarefeita que envolve o núcleo de 67P/Churyumov–Gerasimenko. Até agora, o vapor de água (H
2O), o monóxido de carbono (CO) e o dióxido de carbono (CO
2) revelaram ser as moléculas mais abundantes na cabeleira do cometa, contudo, a sonda europeia já detetou uma grande variedade de outras espécies moleculares ricas em carbono, azoto e enxofre, incluindo o amoníaco (NH
3), o metano (CH
4), o metanol (CH
3OH), o formaldeído (CH
2O), o ácido sulfídrico (H
2S), o ácido cianídrico (HCN), dióxido de enxofre (SO
2) e dissulfureto de carbono (CS
2).
O oxigénio é o terceiro elemento mais abundante no Universo, mas a sua versão molecular mais simples, o O
2, é particularmente difícil de detetar por ser extremamente reativo. “Não estávamos à espera de detetar O
2 no cometa – em particular em tamanha abundância – porque é quimicamente muito reativo, pelo que foi uma grande surpresa,”
disse Kathrin Altwegg, investigadora da Universidade de Berna, na Suiça e uma das coautoras deste trabalho. "Foi também inesperado porque não há muitos exemplos de deteção de O
2 interestelar, pelo que, apesar destas moléculas terem sido muito provavelmente incorporadas no cometa durante a sua formação, este resultado não é fácil de explicar à luz dos atuais modelos de formação do Sistema Solar."
Para identificar o O
2, a equipa analisou mais de 3000 espetros de massa obtidos em redor do cometa, entre setembro de 2014 e março de 2015. Os resultados revelaram uma abundância relativa à água de 1 a 10%, com um valor médio de 3,80 ± 0,85% - uma ordem de magnitude mais elevada que o previsto pelos modelos que descrevem a química das nuvens moleculares a partir das quais emergem as estrelas e os sistemas planetários.
A quantidade de O
2 detetada exibiu uma forte correlação com a quantidade de H
2O medida em diferentes períodos, o que sugere que estas duas espécies possuem origens e mecanismos de libertação no núcleo muito similares. Esta relação manteve-se constante, mesmo com a crescente proximidade do cometa ao Sol, e não se alterou de forma significativa com a posição latitudinal e longitudinal da
Rosetta nas sucessivas órbitas realizadas durante os 6 meses do estudo. Em contraste, os investigadores não observaram uma correlação significativa com o CO e o azoto molecular (N
2), dois compostos com uma volatilidade semelhante ao O
2, nem detetaram a presença de moléculas de ozono (O
3), outro dos 4 alótropos do oxigénio.
Correlação entre a abundância de O2 e H2O medidas pela Rosetta no período entre setembro de 2014 e março de 2015.
Crédito: A. Bieler et al. (2015).
A equipa explorou várias cenários que pudessem explicar a presença e abundância de O
2, bem como a sua relação com a água e a ausência de O
3 em todos os espetros analisados. Num dos cenários, os investigadores consideraram a possibilidade do O
2 poder ter sido produzido ao longo do tempo no núcleo do cometa por fotólise e radiólise das moléculas de H
2O.
Na fotólise, os fotões quebram as ligações entre os átomos constituintes das moléculas, enquanto que a radiólise envolve a presença de fotões mais energéticos ou eletrões e iões velozes depositando energia na superfície gelada do núcleo cometário e ionizando as moléculas presentes nas camadas mais superficiais - um processo observado nas luas geladas dos gigantes gasosos do Sistema Solar e nos anéis de Saturno. Ambos os processos poderiam, em princípio, conduzir à formação e libertação de moléculas de O
2, no entanto, teriam de atuar ao longo dos milhares de milhões de anos em que o cometa residiu na distante Cintura de Kuiper, e assegurariam a acumulação de O
2 apenas até uma profundidade de alguns metros. Estas camadas superficiais foram já certamente removidas, desde que o cometa se fixou na sua atual órbita no interior do Sistema Solar, pelo que este mecanismo não explica as quantidades de O
2 observadas.
Noutro cenário, o O
2 teria sido primeiro incorporado no gelo de água formado na fase da nubelosa protossolar do nosso Sistema Solar. Os modelos que explicam a formação dos discos protoplanetários prevêem que grandes quantidades de O
2 pudessem estar disponíveis na zona de formação de cometas, contudo seria necessário que as temperaturas descessem rapidamente desde valores acima dos – 173 ºC para menos de – 243 ºC para que se formassem partículas de gelo de água com moléculas de O
2 presas no seu interior na superfície de grãos de poeira. Estes grãos teriam de ser posteriormente incorporados no cometa sem que a sua composição fosse alterada.
"Outra das possibilidades seria a do Sistema Solar ter sido formado numa parte invulgarmente quente de uma densa nuvem molecular, a temperaturas 10 a 20 ºC acima dos típicos – 263 ºC esperados para este tipo de nuvens”,
disse Ewine van Dishoeck, investigador do Observatório de Leiden, na Holanda, e um dos coautores deste trabalho. "Isto continua a ser consistente com as estimativas para as condições de formação do cometa na nebulosa solar exterior, e ainda com anteriores descobertas realizadas no cometa, referentes à baixa quantidade de N
2."
Em alternativa poderá ter ocorrido radiólise em grãos de poeira ricos em gelo de água do disco protoplanetário, antes da acreção do cometa num corpo de maiores dimensões. Neste caso, o O
2 permaneceria preso nos espaços livres de gelo nos grãos de poeira, enquanto o hidrogénio se escaparia para o espaço, impedindo assim a formação de novas moléculas de H
2O, o que resultaria num aumento gradual do nível de O
2 no interior do gelo sólido. A incorporação destes grãos de poeira gelados no núcleo do cometa poderia explicar a forte relação com a água observada pela
Rosetta.
"Independentemente da forma como foi criado, o O
2 foi também, de alguma forma, protegido durante a fase de acreção do cometa",
explicou Altwegg. "Isto deverá ter acontecido de forma muito mais gentil para evitar que o O
2 fosse destruído por reações químicas subsequentes." De acordo com os atuais modelos de formação do Sistema Solar, a fase de acreção foi um período particularmente violento, pelo que estes resultados desafiam as atuais conceções acerca da formação e evolução dos planetas.
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