terça-feira, 31 de maio de 2016

O lado noturno de Vénus visto pela sonda Akatsuki

O planeta Vénus numa composição em cores falsas obtida pela sonda Akatsuki a 25 de março de 2016, a uma distância aproximada de 100 mil quilómetros.
Crédito: JAXA.

Esta belíssima imagem recentemente divulgada pela JAXA revela um conjunto de detalhes sem precedentes da intrincada estrutura tridimensional da atmosfera de Vénus no lado noturno do planeta. A imagem foi criada a partir da combinação de duas imagens distintas obtidas pela câmara de infravermelhos IR2 da Akatsuki, através de filtros sensíveis a partículas com tamanhos específicos em suspensão nas nuvens venusianas, e representa apenas uma pequena fração dos dados enviados pela sonda japonesa nos seus primeiros três meses de atividade científica na órbita de Vénus.

domingo, 29 de maio de 2016

Rosetta deteta compostos químicos prebióticos na cabeleira do cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko

O cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko numa imagem obtida pela sonda Rosetta, a 25 de março de 2015.
Crédito: ESA/Rosetta/NavCam.

A sonda Rosetta detetou a presença de ingredientes cruciais para o aparecimento da vida na Terra na nuvem de gás e poeira que rodeia o núcleo do cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko. A descoberta foi divulgada anteontem, num artigo publicado na revista Science Advances, e suporta a ideia de que os cometas foram fundamentais no estabelecimento de uma química prebiótica responsável pela formação dos primeiros organismos vivos no nosso planeta.

Entre os compostos detetados pela sonda europeia encontram-se a glicina, o mais pequeno dos 20 aminoácidos que compõem as proteínas. Os cientistas tinham já detetado quantidades vestigiais deste aminoácido em amostras de partículas de poeira do cometa Wild-2 enviadas para a Terra em 2006 pela missão Stardust. No entanto, a presença de possíveis contaminantes terrestres nas amostras não possibilitou confirmar com 100% de certeza a sua origem cometária.

"Esta é a primeira deteção inequívoca de glicina num cometa", disse Kathrin Altwegg, primeira autora deste trabalho e investigadora principal do Rosetta Orbiter Spectrometer for Ion and Neutral Analysis (ROSINA), o instrumento responsável pelas medições. "Ao mesmo tempo, detetámos também outras moléculas orgânicas que podem ser precursoras da glicina, o que deu pistas para possíveis vias a partir das quais a glicina poderá ser formada."

Os dados foram obtidos antes do cometa alcançar o periélio da sua órbita, em agosto de 2015. A primeira deteção foi realizada em outubro de 2014, antes do lançamento do robot Philae, numa altura em que a Rosetta orbitava o núcleo de 67P a uma distância de apenas de 10 km. A deteção seguinte ocorreu durante um voo rasante a 28 de março de 2015, quando a sonda europeia sobrevoava o cometa a altitudes entre os 15 e os 30 km. A Rosetta observou ainda a presença de glicina nas semanas que antecederam o periélio, em períodos coincidentes com fortes erupções na superfície do cometa, num período em que a sonda euorpeia se encontrava a mais de 200 km de distância e rodeada por uma nuvem de poeira relativamente densa.

Espetros de massa de alguns dos compostos detetados pelo instrumento ROSINA, a 9 de julho de 2015. No gráfico inferior direito podemos ver o pico correspondente à glicina (C2H5NO2).
Crédito: Altwegg et al. (2016).

"Vemos uma forte ligação entre a glicina e a poeira, o que sugere que provavelmente é libertada, talvez com outros voláteis, pelo manto gelado dos grãos de poeira, a partir do momento que estes aquecem na cabeleira", explicou Altwegg. A glicina sublima a temperaturas ligeiramente inferiores a 150 ºC, o que sugere que, em condições normais, o núcleo do cometa liberta apenas uma pequena quantidade devido às baixas temperaturas da sua superfície. Isto explica o facto da Rosetta não ter detetado continuamente a sua presença.

"A glicina é o único aminoácido conhecido que é capaz de se formar sem a presença de água líquida, e o facto de o vermos na companhia de moléculas precursoras e de poeira sugere que se forma no interior de grãos gelados de poeira interestelar ou por irradiação do gelo com radiação ultravioleta, antes de ficar ligada e conservada no cometa por milhares de milhões de anos", disse Altwegg.

A deteção de fósforo foi outro dos resultados importantes divulgados neste trabalho. O fósforo é um dos elementos chave da estrutura dos ácidos nucleicos e dos fosfolípidos que compõem as biomembranas, e é usado pelas células no armazenamento e transferência de energia entre os diferentes compartimentos celulares.

"Existem ainda muitas incertezas acerca da química presente logo após a formação da Terra, e existe ainda, obviamente, uma enorme lacuna evolutiva para preencher entre a chegada destes compostos químicos, através do impacto de cometas, e a tomada das rédeas pela vida", afirmou Hervé Cottin, um dos coautores deste trabalho. "Mas o ponto importante é que os cometas não se modificaram ao longo de 4,5 mil milhões de anos, pelo que oferecem-nos um acesso direto a alguns dos ingredientes que provavelmente foram parar na sopa prebiótica que eventualmente resultou no aparecimento da vida na Terra."

Os detalhes deste trabalho podem ser encontrados aqui.

sábado, 21 de maio de 2016

Marte em oposição

O planeta vermelho visto pelo telescópio espacial Hubble, a 12 de maio de 2016.
Crédito: NASA/ESA/Hubble Heritage Team (STScI/AURA)/J. Bell (ASU) e M. Wolff (Space Science Institute).

Esta magnífica imagem de Marte foi obtida na semana passada pelo telescópio espacial Hubble, quando o planeta se encontrava a cerca de 80 milhões de quilómetros de distância da Terra, e revela uma série de estruturas geológicas proeminentes na superfície do planeta, desde pequenos canais criados pela ação erosiva de antigas inundações catastróficas a gigantescos edifícios vulcânicos e bacias de impacto.

No extremo direito da imagem podemos ver os terrenos escuros de Syrtis Major Planum parcialmente ocultados por uma fina cobertura de nuvens vespertinas. Esta estrutura foi uma das primeiras formações geológicas a serem identificadas na superfície marciana pelos astrónomos do século XVII. Dados obtidos pela sonda Mars Global Surveyor mostram que Syrtis Major é um antigo vulcão em escudo com cerca de 1100 km de diâmetro e uma altitude máxima de pouco mais de 500 metros. A grande estrutura oval visível a sul é Hellas Planitia, uma gigantesca bacia formada pelo impacto de um asteroide há 3,5 mil milhões de anos. Com cerca de 1800 km de diâmetro e uma profundidade máxima de 8 km, Hellas é uma das maiores estruturas de impacto do Sistema Solar.

Imagem de cima com formações atmosféricas e algumas das estruturas geológicas mais proeminentes identificadas.
Crédito: NASA/ESA/Hubble Heritage Team (STScI/AURA)/J. Bell (ASU) e M. Wolff (Space Science Institute)/adaptado por Sérgio Paulino.

O centro da imagem é dominado por um vasto planalto alaranjado denominado Arabia Terra. A paisagem desta região encontra-se densamente povoada por crateras parcialmente erodidas pelos ventos marcianos, o que sugere que esta é uma das regiões mais antigas de Marte. A sul de Arabia Terra podemos ver ainda os terrenos escuros de Sinus Meridiani (a oeste) e Sinus Sabaeus (a leste), duas áreas formadas por antigos fluxos de lava e cinzas vulcânicas.

Marte estará em oposição amanhã, 22 de maio, pelas 12:10 (hora de Lisboa), pelo que esta noite será a mais favorável do ano para observar detalhes da sua superfície através de um telescópio. O planeta poderá ser apreciado a olho nu durante toda a noite na direção da constelação do Escorpião. A sua maior aproximação à Terra ocorrerá no dia 30 de maio, pelas 22:36 (hora de Lisboa), quando o planeta alcançar uma distância mínima de 75,28 milhões de quilómetros.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Hubble observa cometa 252P/LINEAR

Cometa 252P/LINEAR visto pelo telescópio espacial Hubble, a 04 de abril de 2016.
Crédito: NASA/ESA/J.-Y. Li (Planetary Science Institute).

Esta sequência de imagens obtida pelo telescópio espacial Hubble mostra o cometa 252P/LINEAR durante a sua recente passagem pelas proximidades da Terra. As imagens foram obtidas cerca de 2 semanas depois da sua maior aproximação ao nosso planeta, quando o cometa se encontrava a aproximadamente 14 milhões de quilómetros de distância, e revelam a presença de um jato de poeira elevando-se a partir da superfície do núcleo cometário.

Animação mostrando um jato bem definido de poeira acompanhando a rotação do cometa 252P/LINEAR. As imagens foram obtidas pelo telescópio espacial Hubble, a 04 de abril de 2016, com intervalos aproximados de 30 a 50 minutos.
Crédito: NASA/ESA/J.-Y. Li (Planetary Science Institute).

252P/LINEAR tem pouco mais de 1 km de diâmetro, pelo que é demasiado pequeno para poder ser resolvido nestas imagens. Neste momento, o cometa está a afastar-se da Terra e do Sol, no entanto a sua órbita irá trazê-lo de volta para uma nova visita à região mais interior do Sistema Solar em 2021.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Gelo puro na superfície de Hidra

Comparação entre os espetros de absorção na região do infravermelho de Caronte, Hidra e de gelo de água puro. As bandas de absorção a 1,65 µm e entre os 1,50 e os 1,60 µm são assinaturas espetrais inconfundíveis dos cristais de gelo de água.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute/adaptado por Sérgio Paulino.

A New Horizons enviou esta semana os primeiros dados espetrais da superfície das 4 luas mais pequenas de Plutão. Obtidos pelo instrumento Ralph/Linear Etalon Imaging Spectral Array (LEISA), a 14 de julho de 2015, estes novos dados revelam que a superfície de Hidra é dominada por cristais de gelo de água quase puro, o que explica a sua elevada refletividade.

Os espetros agora divulgados são semelhantes ao da superfície da lua Caronte, também ela composta por uma elevada proporção de gelo de água. No entanto, as bandas de absorção de Hidra são mais profundas, o que sugere que os grãos de gelo da pequena lua são significativamente maiores, ou refletem mais luz em certos ângulos, que os de Caronte.

A atual configuração do sistema plutoniano sugere que Hidra foi formada a partir de um disco de detritos rico em gelo de água, criado pela violenta colisão que deu origem ao binário Plutão-Caronte, há aproximadamente 4 mil milhões de anos. A elevada refletividade de Hidra e as suas profundas bandas de absorção mostram que a pequena lua se encontra relativamente pouco contaminada pelos materiais escuros que progressivamente se acumularam na superfície de Caronte desde a sua formação.

A equipa da New Horizons está ainda a investigar qual terá sido o fenómeno responsável por estas diferenças. "Talvez o impacto de micrometeoritos esteja continuamente a reformular a superfície de Hidra, ao arremessar os contaminantes [para o espaço]", disse Simon Porter, membro da equipa científica da missão New Horizons. "Este processo teria sido ineficaz na lua Caronte, porque a sua gravidade mais forte retém todos os detritos criados por esses impactos."

Os cientistas da missão aguardam agora a chegada dos espetros das restantes luas, para os poderem comparar com os de Hidra e de Caronte.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Nas profundezas de um mar de metano

Os mares do polo norte de Titã num mosaico construído com imagens obtidas pelo instrumento VIMS da sonda Cassini, na banda do infravermelho, a 21 de agosto de 2014.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/University of Arizona/University of Idaho.

Das centenas de luas conhecidas no Sistema Solar, Titã é a única com uma densa atmosfera e com vastos reservatórios de compostos líquidos na sua superfície. Estas características tornam-na de certa forma mais parecida com um planeta telúrico do que com as restantes luas geladas que circundam os gigantes gasosos do Sistema Solar exterior.

Tal como na Terra, a atmosfera de Titã é composta na sua grande maioria por azoto (mais de 95%, no caso da lua saturniana). Contudo, ao contrário do nosso planeta, Titã não possui praticamente nenhum oxigénio; o resto da sua atmosfera é constituída por metano e quantidades vestigiais de outros gases, incluindo o etano. Nas temperaturas frígidas de Titã, estes compostos podem ocorrer na superfície na sua forma líquida, pelo que os cientistas há décadas que especulavam sobre a possibilidade de existência de lagos e mares de hidrocarbonetos na lua saturniana.

Sabemos hoje que mais de 1,6 milhões de km2 da superfície de Titã (cerca de 2% do total) estão cobertos por mares e lagos de metano e etano líquidos, a maioria localizados nas proximidades do polo norte. A composição exata destes reservatórios manteve-se por determinar até 2014, altura em que Cassini usou, pela primeira vez, o seu radar para demonstrar que Ligieia Mare, o segundo maior mar de Titã, é rico em metano. Um novo estudo publicado na revista Journal of Geophysical Research: Planets vem agora confirmar de forma independente este resultado.

"Antes [dos resultados] da Cassini, esperávamos que Ligeia Mare fosse constituído principalmente por etano, um composto produzido em abundância na atmosfera, quando a luz solar quebra as moléculas de metano", disse Alice Le Gall, investigadora do centro LATMOS, em Paris, França, e primeira autora deste trabalho. "Em vez disso, este mar é composto predominantemente por metano."

Os autores ponderaram uma série de possíveis explicações para tão inesperados resultados. "Ou Ligeia Mare é reabastecido regularmente com chuva de metano, ou então alguma coisa está a remover o etano do seu interior", afirmou Le Gall. "É possível que o etano acabe por ir parar à crusta submarina, ou que flua, de alguma forma, para o mar adjacente, Kraken Mare, mas isso irá exigir uma investigação mais aprofundada."

Ligeia Mare num mosaico construído com imagens de radar obtidas pela Cassini entre fevereiro de 2006 e abril de 2007.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/ASI/Cornell.

Neste novo estudo, os investigadores combinaram várias observações radiométricas obtidas pelo radar da Cassini, entre 2007 e 2015, para detetarem as emissões térmicas provenientes de Ligeia Mare. Em paralelo, usaram ainda dados batimétricos recolhidos pelo mesmo instrumento em maio de 2013. Os resultados desta experiência foram publicados num artigo em 2014 e tinham já permitido aos cientistas confirmar a presença de profundidades máximas de 160 metros ao longo da área observada.

Com esta informação na mão, a equipa de Le Gall foi capaz de separar as contribuições feitas pela superfície do mar e pelo leito marinho para o total de emissões térmicas observadas. "Isto revelou que o leito de Ligeia Mare encontra-se coberto por uma camada de lodo rica em compostos orgânicos", acrescentou Le Gall.

Nas camadas superiores da atmosfera de Titã, as moléculas de azoto e metano sofrem a ação da radiação solar e das partículas energéticas da magnetosfera saturniana, fragmentando-se em iões precursores de uma variedade de compostos orgânicos, alguns dos quais com uma massa suficientemente grande para caírem diretamente sobre a superfície. Transportadas pela chuva e pelos rios, muitas destas moléculas acabam dissolvidas nos mares de metano. No entanto, moléculas insolúveis, como os nitrilos e o benzeno, afundam-se no leito marinho, formando uma camada de lodo compacta.

No estudo foram analisados ainda os perfis térmicos de Ligeia Mare, desde o final do inverno até à primavera. Os investigadores esperavam que os terrenos sólidos em redor aquecessem mais rapidamente que a superfície do mar, tal como acontece nas regiões costeiras da Terra. Surpreendentemente, os dados recolhidos pela Cassini mostram que não há diferenças significativas entre as temperaturas do mar e das zonas costeiras. Isto sugere que os terrenos em redor dos reservatórios de metano se encontram inundados com hidrocarbonetos líquidos, o que lhes confere propriedades térmicas semelhantes às da superfície dos mares.

"Este estudo desvendou, pela primeira vez, as propriedades básicas de um dos mares de Titã, melhorando a nossa compreensão dos processos climáticos e de circulação neste mundo fascinante", afirmou Nicolas Altobelli, investigador de projeto da equipa europeia da missão Cassini. O trabalho foi divulgado no passado mês de fevereiro no artigo Composition, seasonal change, and bathymetry of Ligeia Mare, Titan, derived from its microwave thermal emission por Alice Le Gall et al. (2016) e pode ser consultado aqui.