sábado, 31 de outubro de 2015

Plutão em contraluz

Plutão visto pela câmara Ralph/Multispectral Visual Imaging Camera (MVIC) da sonda New Horizons a 14 de julho de 2015.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute.

Este mosaico foi construído com imagens captadas no passado dia 14 de julho, cerca de 15 minutos após a maior aproximação da sonda New Horizons à superfície de Plutão, e mostra um extenso panorama sobre o lado noturno do planeta anão.

No lado direito da imagem podemos ver um fino crescente com os limites meridionais da planície gelada informalmente conhecida por Sputnik Planum. Esta estrutura é flanqueada a leste (para baixo, na imagem) pelos terrenos rugosos de Krun Macula, e a oeste (para cima) pelas cadeias de montanhas de Norgay e Hillary Montes.

A geometria de iluminação torna ainda evidentes mais de uma dúzia de camadas de neblina dispondo-se verticalmente na ténue atmosfera de azoto de Plutão. Estas estruturas rodeiam a silhueta de Plutão e revelam os contornos de planaltos irregulares no lado oposto da imagem.

Podem ver esta imagem na sua máxima resolução aqui.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

New Horizons completa o seu primeiro retrato de família das pequenas luas de Plutão

A lua Cérbero vista pela sonda New Horizons. Esta imagem foi criada pela combinação de 4 imagens distintas obtidas pelo instrumento Long Range Reconnaissance Imager (LORRI) a 14 de julho de 2015, quando a sonda da NASA se encontrava a cerca de 396 mil quilómetro de distância da pequena lua.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute.

Cérbero pregou uma partida aos cientistas. Imagens enviadas esta semana pela sonda New Horizons mostram que a pequena lua de Plutão é consideravelmente mais pequena do que se pensava. "Mais uma vez fomos surpreendidos pelo sistema de Plutão", disse Hal Weaver, investigador do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e membro da equipa científica da missão.

Observações realizadas através do telescópio espacial Hubble sugeriam que a influência gravitacional de Cérbero nas restantes pequenas luas do sistema era surpreendentemente elevada. Estes resultados levaram os cientistas a considerar a hipótese de Cérbero poder ser uma lua relativamente grande e massiva, parecendo pouco brilhante apenas porque a sua superfície se encontrava coberta por materiais tão escuros como o carvão.

As luas de Plutão vistas à mesma escala.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute/adaptação de Sérgio Paulino.

As imagens que agora nos chegam revelam, no entanto, um cenário bem diferente. Aparentemente, Cérbero tem uma forma bilobada, com aproximadamente 12 km de comprimento e 5 km de largura, e reflete cerca de 50% da luz incidente (um valor semelhante ao das outras pequenas luas), o que sugere que a sua superfície é composta por gelo de água relativamente puro. "As nossas previsões foram quase certeiras para as outras pequenas luas, mas não para Cérbero", afirmou Mark Showalter, investigador do Instituto SETI, nos Estados Unidos, e membro da equipa científica da missão New Horizons.

Com estas novas imagens de Cérbero fica completo o primeiro retrato de família das pequenas luas de Plutão. Os cientistas esperam agora poder usar estes resultados para compreenderem melhor como evoluiu este fascinante sistema de pequenos satélites, e como se relacionam com o gigantesco impacto que deu origem à lua Caronte.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Rios marcianos arrastaram seixos por dezenas de quilómetros

Seixos rolados num antigo leito fluvial, no interior da cratera Gale.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

Marte é hoje um planeta frio e árido, mas há 3 mil milhões de anos a situação era muito diferente. Depósitos de seixos rolados descobertos pelo Curiosity em 2012 sugerem que no passado a água fluiu abundantemente na superfície marciana, criando redes hidrográficas relativamente estáveis. Um novo estudo publicado na semana passada na revista Nature Communications vem agora revelar evidências concretas de que os seixos observados pelo robot da NASA foram arrastados por um sistema fluvial ao longo de cerca de 50 km! Os resultados baseiam-se numa combinação de modelos teóricos e experiências laboratoriais desenhados para demonstrar como a forma destes pequenos fragmentos de rocha pode ser usada para reconstruir com precisão o seu transporte ao longo do leito de um rio.

"Há milhares de anos, Aristóteles ponderou sobre a questão dos seixos na praia e de como eles se tornam arredondados", disse Douglas Jerolmack, um geofísico da Universidade da Pennsylvania, nos Estados Unidos, e um dos coautores deste trabalho. "Contudo, até recentemente, as descrições da forma dos seixos foram sempre qualitativas e faltava-nos uma compreensão básica do processo de arredondamento."

Para enfrentar este problema, Jerolmack recrutou Gábor Domokos, um matemático da Universidade de Tecnologia e Economia de Budapeste, na Hungria, responsável pela descoberta do Gömböc, um objeto tridimensional invulgar com apenas 2 pontos de equilíbrio estático (um estável e outro instável). O Gömböc comporta-se de forma muito semelhante a um boneco sempre-em-pé, retornando sozinho ao seu ponto de equilíbrio estável independentemente da forma como é posicionado numa superfície horizontal. No entanto, ao contrário do boneco sempre-em-pé, a estrutura interna do Gömböc é homogénea, o que faz com que as suas propriedades mecânicas sejam determinadas apenas pela sua forma.

Tendo em conta que a abrasão tende a diminuir o número de pontos de equilíbrio estático das rochas, o Gömböc representa teoricamente o auge desse processo e ilustra como a forma per se pode armazenar informações vitais acerca da história natural de um objeto. Com base nesta premissa, Domokos cedo percebeu que poderia adaptar a conjetura de Poincaré (um famoso problema de matemática apenas recentemente resolvido) para descrever a evolução da geometria de estruturas tridimensionais, quando estas são submetidas a desgaste mecânico.

"A forma de um objeto pode, só por si, dizer-nos muita coisa", explicou Domokos. "Se formos a uma praia, vamos encontrar a história natural escrita debaixo dos nossos pés. Começámos a perceber que existe um código que podemos ler para compreendermos essa história."

A evolução dos contornos exteriores de um seixo rolado é orquestrada pela ação abrasiva produzida pelas colisões com outras rochas do leito fluvial, pelo que a história do seu percurso ao longo do rio está, de certa forma, inscrita na perda de massa resultante desse processo. Como não estão disponíveis dados relativos à massa dos seixos marcianos, Domokos desenvolveu um novo modelo matemático para determinar a perda de massa dos fragmentos de rocha observados pelo Curiosity usando apenas a sua forma. O seu trabalho demonstrou que, quando duas partículas de tamanho semelhante colidem entre si, a forma como influenciam a estrutura tridimensional uma da outra pode ser reduzida a um problema puramente geométrico, independentemente dos materiais que as constituem ou do ambiente onde se movem.

Modelo tridimensional da cratera Gale. Está assinalado a verde o local onde o Curiosity poisou.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/ESA/DLR/FU Berlin/MSSS.

Com o objetivo de testar o modelo de Domokos, os investigadores realizaram uma série de experiências laboratoriais desenhadas para simular a abrasão natural de pequenos fragmentos rochosos. Recorrendo a um pequeno tambor em rotação, a equipa avaliou a evolução da forma e a perda de massa de cerca de 80 fragmentos de calcário com 15 a 35 mm de diâmetro. Os resultados mostram que a alteração da forma das rochas segue um padrão muito próximo do previsto pelo modelo matemático.

Em seguida, os investigadores compararam os resultados das experiências laboratoriais com dados recolhidos num rio de montanha, em Porto Rico. "Começámos na nascente, onde pedaços de rochas angulares se soltam das paredes do riacho e são arrastados para jusante", disse Jerolmack. "Apanhámos milhares de seixos a cada poucas centenas de metros, captámos imagens das suas silhuetas e registámos o seu peso." Os dados confirmaram, mais uma vez, que a relação entre a evolução da forma e a perda de massa é concordante com o previsto pelo modelo de Domokos.

Para explorar as consequências desta relação num ambiente comparável ao dos depósitos marcianos, os investigadores executaram a mesma análise a um conjunto de seixos rolados provenientes de um leque aluvial localizado a jusante de um desfiladeiro numa zona árida do Novo México, nos Estados Unidos. Os resultados demonstram que a distância percorrida por um seixo desde a sua origem a montante pode, de facto, ser inferida usando apenas a silhueta do seixo.

Com esta informação nas mãos, Jerolmack e os seus colegas voltaram-se para o caso particular de Marte. Usando imagens captadas pelo Curiosity, a equipa traçou os contornos de mais de 500 seixos exumados em dois afloramentos rochosos distintos localizados nas proximidades do leque aluvial que parte de Peace Vallis, um antigo desfiladeiro talhado nas montanhas da orla setentrional da cratera Gale. Aplicando o modelo matemático de Domokos, os investigadores descobriram que os seixos marcianos perderam aproximadamente 20% da sua massa original.

Para traduzir a perda de massa em distância percorrida, a equipa contou com os dados recolhidos no Novo México e em experiências laboratorais anteriores desenhadas para calcular o desgaste mecânico induzido pelos leitos fluviais em rochas com diferentes composições. Depois de considerarem a composição dos materiais presentes no interior da cratera Gale e o efeito mais reduzido da gravidade de Marte, os investigadores concluíram que os seixos viajaram cerca de 50 km!

Estes resultados confirmam que os depósitos sedimentares observados pelo robot da NASA tiveram origem no cimo das montanhas da orla setentrional da cratera Gale e reforçam a ideia de que Marte poderá ter albergado no passado condições favoráveis à vida tal como a conhecemos. "Temos agora uma nova ferramenta que podemos usar para ajudar a reconstruir ambientes antigos na Terra, em Marte e noutros corpos planetários onde também encontramos rios, como [por exemplo] em Titã", explicou Jerolmack.

Podem encontrar todos os detalhes deste trabalho aqui.

sábado, 17 de outubro de 2015

Cassini envia imagens espetaculares do polo norte de Encélado

A região do polo norte de Encélado vista pela sonda Cassini, a 14 de outubro de 2015 (resolução aproximada de 35 metros/píxel).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute.

A Cassini enviou anteontem para a Terra as melhores imagens de sempre das latitudes mais setentrionais de Encélado. Captadas no seu mais recente encontro com a pequena lua de Saturno, as imagens revelam uma estranha paisagem crivada de crateras rasgadas por fraturas profundas.

As crateras Al-Haddar, Shahrazad e Dunyazad numa imagem captada pela Cassini, a 14 de outubro de 2015 (resolução aproximada de 60 metros/píxel).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute.

"As regiões setentrionais são cruzadas por uma rede de fendas muito finas que seccionam as crateras", disse Paul Helfenstein, investigador da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, e um dos membros da equipa de imagem da missão Cassini. "Estas fendas finas são ubíquas em Encélado, e vemos agora que também se estendem pelos terrenos no lado norte."

A Cassini tem agendado um novo encontro com Encélado no próximo dia 28 de outubro, desta vez sobre a região do polo sul. Durante o encontro, a sonda da NASA irá realizar uma passagem rasante através das plumas de vapor de água e partículas de gelo que se elevam nesta região. Com esta passagem, os cientistas esperam recolher dados que permitam uma visão mais detalhada dos processos geológicos responsáveis pela manutenção de um oceano global no interior da lua.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Grande Mancha Vermelha de Júpiter continua a encolher

Mapa da atmosfera de Júpiter construído com imagens obtidas pelo telescópio espacial Hubble, a 19 de janeiro de 2015.
Crédito: NASA/ESA/Goddard/UCBerkeley/JPL-Caltech/STScI/adaptado por Sérgio Paulino.

Uma equipa de investigadores usou o telescópio espacial Hubble para produzir um conjunto de mapas detalhados da atmosfera tumultuosa de Júpiter. Estes novos mapas são os primeiros a serem produzidos pelo Outer Planet Atmospheres Legacy (OPAL), um projeto dedicado a criar uma série de retratos anuais dos 4 planetas gigantes do Sistema Solar, com o objetivo de ajudar os cientistas a compreender a evolução e dinâmica das atmosferas destes mundos distantes.

Os retratos agora divulgados foram construídos com imagens captadas pela Wide Field Camera 3 com um intervalo de 10 horas (aproximadamente o equivalente ao período de rotação de Júpiter), o que tornou possível a determinação da velocidade dos ventos jovianos e a identificação de fenómenos atmosféricos raramente observados no planeta. "Cada vez que olhamos para Júpiter, obtemos pistas intrigantes de que está a acontecer algo verdadeiramente emocionante", disse Amy Simon, investigadora do Centro de Voos Espaciais Goddard da NASA, nos Estados Unidos, e membro da equipa do projeto OPAL. "Esta vez não é exceção."

Movimento das nuvens de Júpiter num período aproximado de 10 horas. Em baixo são visíveis destacadas duas pequenas imagens da Grande Mancha Vermelha, em comprimentos de onda na banda do azul (à esquerda) e do vermelho (à direita).
Crédito: NASA/ESA/Goddard/UCBerkeley/JPL-Caltech/STScI.

As novas imagens confirmam que a Grande Mancha Vermelha (GMV) continua a encolher, mantendo assim a tendência que se tem verificado nas últimas duas décadas. A tempestade tem agora cerca de 16260 km de comprimento - aproximadamente menos 240 km do que tinha em 2014. Nos últimos 3 anos, o eixo maior da tempestade diminuiu a um ritmo superior ao de anos anteriores, no entanto as mudanças agora observadas são mais consistente com a tendência a longo prazo.

A GMV continua mais laranja do que vermelha, e o seu centro, normalmente com uma cor mais intensa, apresenta-se agora menos proeminente. Nas novas imagens podemos observar um fino filamento estendendo-se por quase a totalidade do comprimento do vórtice central. Esta estrutura roda e distorce-se no período de 10 horas que separa os dois conjuntos de imagens, movendo-se pela ação de ventos que sopram a velocidades entre os 360 e 540 km/h!

Estrutura em forma de onda observada na Cintura Equatorial Norte de Júpiter. Imagem em cores falsas obtida pelo telescópio espacial Hubble, a 19 de janeiro de 2015. As setas mostram a localização dos ciclones, enquanto que as barras indicam a onda.
Crédito: NASA/ESA/Goddard/UCBerkeley/JPL-Caltech/STScI.

Na Cintura Equatorial Norte, os investigadores descobriram ainda uma estrutura invulgar em forma de onda, até agora apenas observada em imagens do planeta captadas em 1979 pela sonda Voyager 2. Esta estrutura parece viajar numa região ponteada por ciclones e anticiclones e tem uma morfologia semelhante às ondas baroclínicas observadas na atmosfera terrestre, em locais onde se formam ciclones.

"Pensámos até agora que a onda observada pela Voyager 2 poderia ter sido uma mera casualidade", disse Glenn Orton, investigador do Laboratório de Propulsão a Jato, nos Estados Unidos, e membro da equipa responsável por este trabalho."Como se constantou, é apenas um fenómeno raro!" De acordo com os investigadores, a onda poderá ter origem numa camada límpida sob as nuvens, tornando-se apenas visível quando se propaga para o lençol de nuvens na camada superior.

Além de Júpiter, foram observados ainda Neptuno e Urano. Os mapas destes 2 planetas deverão ser disponibilizados em breve no arquivo público do projeto. Saturno será adicionado posteriormente. "É realmente emocionante o valor a longo prazo do programa OPAL", afirmou Michael H. Wong, investigador da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e membro da equipa responsável pelo trabalho. "A coleção de mapas que iremos acumular ao longo do tempo vai ajudar os cientistas a compreender não só a atmosfera dos nossos planetas gigantes, como também a atmosfera dos planetas que estão a ser descobertos em redor de outras estrelas, e a atmosfera e os oceanos da Terra, também."

Este trabalho foi publicado na semana passada na revista Astrophysical Journal e pode ser encontrado aqui.

domingo, 11 de outubro de 2015

A lua Estige vista pela New Horizons

A pequena lua Estige numa imagem obtida pela câmara LORRI da sonda New Horizons, a 14 de julho de 2015 (resolução aproximada: 3,1 km/píxel).
Crédito: NASA/JHUAPL/SwRI.

Chegaram finalmente à Terra as primeiras e únicas imagens de Estige captadas pela New Horizons durante a sua passagem pelo sistema plutoniano. Na altura, a sonda da NASA encontrava-se a 631 mil quilómetros de distância, pelo que as novas imagens revelam pouco mais que o tamanho e a forma desta pequena lua.

"Apesar de não parecer muito, as novas imagens revelam um satélite altamente alongado, com aproximadamente 7 km na sua dimensão mais longa e 5 km na sua dimensão mais curta", afirmou Hal Weaver, membro da missão New Horizons. O brilho de Estige, combinado com esta nova estimativa do seu tamanho, sugerem que a pequena lua tem uma superfície gelada altamente refletiva, semelhante ao que foi observado nas outras pequenas luas de Plutão, Nix e Hidra.

Estige vista pela New Horizons. Em baixo estão representadas as distâncias relativas das órbitas das luas de Plutão.
Crédito: NASA/JHUAPL/SwRI/adaptado por Sérgio Paulino.

Estige foi descoberta em 2012, em imagens captadas pelo telescópio espacial Hubble, e foi extensamente estudada ao longo de vários meses, durante a aproximação da New Horizons ao sistema plutoniano. Com estas novas imagens, os responsáveis da missão esperam desvendar mais detalhes acerca da forma e da rotação desta pequena lua. "Esperamos, no fim, aprender mais acerca das 4 pequenas luas de Plutão, de forma a compreendermos as suas semelhanças e diferenças, como se formaram e como evoluíram", disse o investigador principal da missão Alan Stern.

Ficam agora a faltar as imagens da lua Cérbero para que fique completo o retrato de família das luas de Plutão. As melhores deverão chegar dentro das próximas semanas e deverão ter uma resolução duas vezes superior à das imagens da lua Estige.

sábado, 10 de outubro de 2015

Rosetta observa evidências de um ciclo diário de gelo/vapor de água no cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko

Mapas do gelo de água (esquerda) e temperaturas (direita) em Hapi, na superfície do cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko. As imagens baseiam-se em dados obtidos pelo instrumento VIRTIS da sonda Rosetta, a 12, 13 e 14 de setembro de 2014.
Crédito: ESA/Rosetta/VIRTIS/INAF-IAPS/Obs. de Paris-Lesia/DLR/M.C. De Sanctis et al (2015).

Cientistas descobriram evidências do que há muito suspeitavam - os cometas têm um ciclo diário de gelo/vapor de água sincronizado com o seu período de rotação. Baseada em observações realizadas pelo instrumento Visible, InfraRed and Thermal Imaging Spectrometer (VIRTIS) da sonda Rosetta, a equipa de investigadores liderada por Maria Cristina De Sanctis do Instituto de Astrofísica e Planetologia Espacial de Roma, em Itália, identificou uma região na superfície do cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko onde o gelo de água aparece e desaparece num padrão cíclico que segue as condições de iluminação locais. Esta descoberta foi publicada no passado mês de setembro na revista Nature.

Os cometas são corpos celestes compostos por uma amálgama de poeiras e gelos, sobretudo de água, dióxido de carbono, monóxido de carbono, metano e amoníaco. À medida que viajam em direção ao periélio, os cometas são aquecidos pela radiação solar, provocando o aquecimento das camadas superficiais e a consequente volatilização dos gelos aí expostos. Os gases libertados pelo calor irrompem violentamente através da superfície, e arrastam consigo partículas de poeiras e pequenos fragmentos de gelo, formando assim as caudas e cabeleiras características dos cometas.

A Rosetta alcançou o cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko em agosto de 2014 e tem estado a estudá-lo desde então. No passado dia 13 de agosto, o cometa atingiu o periélio, e está agora a deslocar-se em direção à região mais exterior do Sistema Solar. Um dos principais objetivos da missão era, precisamente, o de monitorizar o aumento da atividade na superfície e em redor de 67P/Churyumov–Gerasimenko, durante a sua aproximação ao Sol.

Neste novo trabalho, os cientistas analisaram um conjunto de observações realizadas pelo instrumento VIRTIS, em setembro de 2014, numa região com cerca de 1 km2 localizada no "pescoço" do cometa. Na altura, o cometa encontrava-se a cerca de 500 milhões de quilómetros de distância do Sol e o pescoço era uma das regiões mais ativas.

"Descobrimos um mecanismo que devolve à superfície gelo fresco a cada rotação", explicou De Sanctis. "Isto mantém o cometa 'vivo'." O cometa leva cerca de 12,4 horas a completar cada rotação, pelo que as várias regiões na sua superfície passam por diferentes condições de iluminação ao longo desse período.

"Vimos a assinatura de gelo de água no espetro da região em estudo, mas apenas quando certas partes estavam na sombra.", acrescentou De Sanctis. "Por outro lado, quando o Sol brilhava nestas regiões, o gelo desaparecia. Isto indica um comportamento cíclico do gelo de água durante cada rotação do cometa."

Ciclo do vapor/gelo de água no cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko.
Crédito: ESA/Adaptado por Sérgio Paulino.

Os dados obtidos pela Rosetta mostram que o gelo nas camadas superficiais do cometa sublima quando exposto à radiação solar, transformando-o em gás que escapa em direção ao espaço. À medida que a noite cai, a superfície volta a arrefecer rapidamente. No entanto, as camadas inferiores retêm ainda algum do calor que receberam durante o dia, pelo que a água aí aprisionada continua a sublimar e a seguir o seu caminho até à superfície através do interior poroso do cometa. À medida que alcança a superfície, o vapor de água congela mais uma vez, formando assim uma fina camada de gelo fresco. O ciclo reinicia mais uma vez sempre que o Sol ilumina de novo estas regiões.

"Já suspeitávamos que pudesse ocorrer este ciclo da água nos cometas, com base nos modelos teóricos e em anteriores observações de outros cometas, mas agora, graças à Rosetta e à sua extensa monitorização do cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko, temos finalmente provas observacionais", disse Fabrizio Capaccioni, investigador principal do instrumento VIRTIS.

Baseados nestes dados, os investigadores puderam estimar a abundância relativa de gelo de água, no que diz respeito aos materiais que compõem o núcleo do cometa. O que descobriram foi que a água representa cerca de 10 a 15% dos materiais presentes nas camadas mais superficiais (até a alguns centímetros de profundidade) da região estudada, e parece estar bem misturada com outros constituintes.

A equipa usou ainda o sensor de micro-ondas MIRO para determinar a quantidade de vapor de água emitida pela região observada pelo VIRTIS. Os dados revelaram que, no período analisado, esta região produziu aproximadamente 3% da quantidade de vapor de água emitida pela superfície total do cometa. "É possível que várias áreas da superfície estivessem a passar pelo mesmo ciclo diário, providenciando assim contributos adicionais para a emissão total de gases do cometa", explicou Capaccioni.

A sonda europeia tem a capacidade de detetar alterações no cometa a curto e a longo prazo, pelo que os investigadores estão agora a analisar os dados recolhidos nos meses mais próximos do periélio para perceberem qual terá sido o efeito do aumento da atividade no ciclo de gelo/vapor de água. Apesar destes resultados iniciais fornecerem apenas um vislumbre do funcionamento interno do cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko, os cientistas esperam, em breve, com a ajuda da Rosetta, esclarecer de uma forma mais clara o contributo deste e de outros processos na evolução dos cometas.

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Alvo da Hayabusa 2 já tem um nome!

Modelo tridimensional de Ryugu, o alvo da missão Hayabusa 2.
Crédito: JAXA.

A JAXA anunciou anteontem o resultado do concurso lançado em julho passado para a escolha de um nome oficial para o pequeno asteroide (162173) 1999 JU3, o alvo da missão Hayabusa 2. Após uma avaliação cuidada de um total de 7336 propostas, a decisão do painel de júris recaiu sobre o nome Ryugu.

De acordo com a agência espacial nipónica, a escolha foi inspirada numa antiga lenda japonesa, que relata a estória de Urashima Tarō, um jovem pescador que salva uma pequena tartaruga e é recompensado com uma visita a Ryugu, o palácio encantado no fundo do oceano onde vive Ryūjin, o deus dragão imperador dos mares. Após uma estadia de 3 dias, Tarō regressa a casa com uma pequena caixa oferecida pela princesa Otohime, filha de Ryūjin. Esta parte da lenda faz, de certa forma, recordar o objetivo principal da Hayabusa 2 - trazer de volta à Terra uma pequena cápsula com amostras da superfície de 162173 Ryugu.

No início de setembro, a sonda japonesa acionou os seus propulsores iónicos durante um período total de 12 horas, a fim de otimizar a trajetória que a levará a beneficiar de uma assistência gravitacional do nosso planeta no próximo mês de dezembro. Se tudo correr bem, a Hayabusa 2 deverá alcançar Ryugu em meados de 2018, para cumprir uma missão com a duração de um ano e meio. O regresso à Terra deverá acontecer no final de 2020.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Caronte teve um passado violento

Caronte em alta resolução. Imagem obtida pela Ralph/Multispectral Visual Imaging Camera (MVIC) da sonda New Horizons, a dia 14 de julho de 2015 (resolução aproximada: 1,5 km/píxel).
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute.

Caronte não é, definitivamente, o mundo monótono crivado de crateras que os cientistas antecipavam. Imagens enviadas na semana passada pela sonda New Horizons revelam uma paisagem surpreendentemente complexa, coberta de montanhas, falhas e extensos vales profundos.

"Pensávamos que seria baixa a probabilidade de vermos estruturas tão interessantes na superfície deste satélite de um mundo situado nos confins distantes do Sistema Solar", disse Ross Beyer, membro da equipa de geologia, geofísica e imagem da New Horizons. "Não podia estar mais satisfeito com aquilo que vemos".

A complexa paisagem de Caronte num mosaico construído com imagens obtidas pela câmara LORRI da sonda New Horizons, a 14 de julho de 2015. As cores baseiam-se nos dados obtidos pela MVIC. Resolução aproximada do mosaico: 0,44 km/píxel.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute.

Destaca-se entre as formações mais proeminentes nas imagens agora divulgadas uma enigmática cintura de canhões entrelaçados com mais de 1600 km de comprimento. Este gigantesco sistema circunda todo o hemisfério subplutoniano e prolonga-se provavelmente até ao hemisfério oposto. As suas dimensões sugerem que no passado a superfície de Caronte esteve sujeita a um levantamento tectónico de proporções colossais.

"Parece que toda a crusta de Caronte foi aberta", afirmou John Spencer, líder da equipa de geologia, geofísica e imagem da New Horizons. "No que diz respeito ao seu tamanho relativamente a Caronte, esta estrutura assemelha-se muito ao vasto sistema de canhões de Valles Marineris, em Marte."

Caronte e Plutão lado a lado. As duas imagens foram processadas de forma idêntica para permitir uma comparação direta das cores e brilhos dos dois objetos.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute.

As novas imagens permitiram ainda um olhar mais detalhado sobre as planícies a sul do sistema de canhões. Conhecida informalmente por Vulcan Planum, esta região destaca-se por possuir um número de crateras inferior ao dos terrenos acidentados mais a norte, o que indica que é consideravelmente mais jovem. As imagens revelam também uma rede de sulcos e cristas cruzando toda a região. Estas estruturas são um claro indício de que terá ocorrido em Caronte uma reformulação da superfície em larga escala.

De acordo com a equipa da missão, é possível que Vulcan Planum tenha sido moldada por fenómenos criovulcânicos. "A equipa está a discutir a possibilidade de que um oceano interior de água possa ter congelado há muito tempo, e que a alteração de volume daí resultante possa ter levado Caronte a rachar, permitindo que ‘lavas’ baseadas em água atingissem a superfície", explicou Paul Schenk, membro da equipa responsável pela New Horizons.

Estão ainda por enviar imagens de Caronte com uma resolução superior, bem como outros dados relativos à composição da sua superfície, pelo que devemos esperar nos próximos meses mais algumas surpresas.