sábado, 30 de julho de 2016

Um labirinto em Titã

Relevo cársico na superfície de Titã. Imagem de radar obtida pela sonda Cassini, a 07 de junho de 2016 (área da imagem: 140 por 120 km; resolução aproximada:400 metros/píxel).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/ASI.

Esta imagem de radar mostra um excelente exemplo de um relevo cársico na superfície de Titã.

Localizada a sul dos terras baixas de Shangri-La, esta paisagem labiríntica é provavelmente uma região montanhosa esculpida num padrão caótico pela ação erosiva de inúmeros sistemas fluviais formados por pequenos rios de metano. Alguns destes sistemas formam vales paralelos, o que sugere que a sua direção é influenciada pela presença de outras estruturas geológicas ou pelo gradiente topográfico local.

Na Terra, as paisagens cársicas têm geralmente origem na dissolução de rochas carbonatadas (calcários, dolomitos ou mármores) pela ação de água da chuva acidificada pela incorporação de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera ou de outros compostos provenientes do solo.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Onde estão as grandes crateras de impacto de Ceres?

Mapa topográfico de Ceres mostrando a localização de Kerwan, uma cratera com 280 km de diâmetro, e de Vendimia Planitia, uma gigantesca depressão com 800 km de diâmetro e cerca de 4 km de profundidade.
Crédito: SwRI/Simone Marchi.

Ceres é o maior objeto da Cintura de Asteroides, uma região tumultuosa encaixada entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Nos últimos 4,55 mil milhões de anos, o planeta anão foi atingido por numerosos asteroides e cometas de grandes dimensões. Estes eventos deveriam ter deixado marcas facilmente reconhecíveis na superfície de Ceres, contudo um estudo publicado esta semana na revista Nature Communications revelou uma surpreendente escassez destas enormes cicatrizes na população de crateras de impacto do planeta anão.

"Concluímos que, ao longo de escalas de tempo geológicas, uma população significativa de crateras de grandes dimensões foi obliterada ao ponto de não poder ser mais reconhecida", explicou Simone Marchi, investigador do Southwest Research Institute, nos Estados Unidos, e primeiro autor deste trabalho. "[Isto] é provavelmente resultante da evolução interna e composição peculiar de Ceres."

Modelos computacionais sugerem que o planeta anão deveria ter acumulado desde a sua formação 10 a 15 crateras com mais de 400 km de diâmetro e, pelo menos, 40 crateras com mais de 100 km de diâmetro. As imagens obtidas pela sonda Dawn revelam, no entanto, a presença de apenas 16 crateras com um diâmetro superior a 100 km, sendo que nenhuma ultrapassa os 280 km de diâmetro. Esta escassez é ainda mais significativa se consideramos que grandes porções do hemisfério norte de Ceres estão saturadas com crateras com menos de 60 km de diâmetro.

Uma possível explicação para esta discrepância poderá estar na topografia de Ceres. Usando modelos topográficos construídos com dados obtidos pela sonda Dawn, Marchi e colegas identificaram, pelo menos, três planícies circulares na superfície de Ceres, com diâmetros entre os 500 e os 800 km.

"Estas depressões - ou planitiae - poderão ser antigas bacias de impacto remanescentes de grandes colisões ocorridas logo após a formação de Ceres", disse Marchi. Esta hipótese sugere que as enormes crateras previstas pelos modelos de colisões poderão ter, de facto, existido na superfície do planeta anão, mas foram lentamente apagadas ao longo de milhões de anos. "É como se Ceres curasse as suas próprias grandes cicatrizes de impacto e criasse novas superfícies, uma e outra vez."

Os investigadores sugerem que estas antigas estruturas de impacto poderão ter sido apagadas pelo relaxamento topográfico das respetivas orlas, causado pela possível presença de uma camada rica em gelo ou em materiais com baixa viscosidade logo abaixo da superfície de Ceres. Uma hipótese alternativa seria a destruição destas crateras num passado distante por fenómenos criovulcânicos generalizados. Este processo seria, no entanto, ineficiente na eliminação das crateras maiores e mais profundas.

"Independentemente dos mecanismos específicos responsáveis pela eliminação das crateras, os nossos resultados requerem que o processo de destruição das crateras de maiores dimensões se tenha mantido ativo até muito depois do Grande Bombardeamento Tardio, há aproximadamente 4 mil milhões de anos", disse Marchi. "Esta conclusão revela que o registo de impactos em Ceres se encontra indissociavelmente ligado à sua composição peculiar e evolução interna."

domingo, 24 de julho de 2016

SDO observa um trio de fulgurações classe-M

A segunda de três fulgurações classe-M produzidas pelo Sol a 23 de julho de 2016. A imagem foi obtida pelo instrumento Atmospheric Imaging Assembly do Solar Dynamics Observatory da NASA, através de um filtro na banda do ultravioleta extremo (304 Å).
Crédito: SDO(NASA)/AIA consortium.

Foram ontem observadas três fulgurações solares de intensidade média com origem na região ativa 2567. A primeira foi um evento não eruptivo de classe-M5,0, com um pico de intensidade pelas 03:11 (hora de Lisboa). A este fenómeno seguiram-se dois eventos de classe-M7,6 e M5,5 com picos de intensidade pelas 06:16 e 06:31, respetivamente.

A fulguração classe-M7,6 foi a mais intensa até agora registada em 2016 e foi responsável pela libertação de uma gigantesca ejeção de massa coronal. A nuvem de plasma dirige-se para longe da Terra, no entanto é possível que um dos seus flancos atinja o nosso planeta na próxima terça-feira.

O Sol encaminha-se neste momento para o longo período de baixa atividade que caracteriza o final de cada ciclo solar, pelo que estes fenómenos tendem a ser agora cada vez mais raros. O atual ciclo teve o seu início em janeiro de 2008 e deverá terminar dentro dos próximos 2 a 3 anos.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Rosetta terminará missão com impacto na região de Ma'at

A região de Ma'at vista pela sonda Rosetta, a 17 de junho de 2016. O círculo vermelho assinala o local onde a sonda europeia deverá pousar no próximo dia 30 de setembro.
Crédito: ESA/Rosetta/NavCam.

Foi divulgado há poucas horas o destino final da sonda Rosetta no próximo dia 30 de setembro. Num comunicado publicado no blog da missão, a ESA anunciou que a sonda europeia deverá concluir a sua prolífica missão com uma descida controlada até à região de Ma'at, no lobo mais pequeno do cometa.

O local foi escolhido tendo em conta o seu potencial científico e a complexidade das manobras necessárias para colocar a Rosetta na trajetória desejada. O impacto deverá ocorrer por volta das 11:30 (hora de Lisboa), a uma velocidade aproximada de 1,8 km/h, e será antecedido pela recolha de dados científicos, incluindo imagens em alta resolução, da superfície do cometa.

domingo, 17 de julho de 2016

Dunas de gesso em Olympia Undae

Gesso nas dunas de Olympia Undae. Imagem obtida pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter, a 10 de abril de 2016.
Crédito: NASA/JPL/University of Arizona.

Nesta imagem podemos ver uma pequena secção de Olympia Undae, um vasto campo de dunas que rodeia parcialmente a região do polo norte de Marte. A maioria das dunas marcianas são formadas por areia basáltica, mas em Olympia Undae estas estruturas são ricas em gesso, um mineral formado pela evaporação de soluções aquosas ricas em sulfato de cálcio (CaSO4).

A ocorrência de gesso nesta região é um mistério, uma vez que as dunas são claramente do período Amazoniano e os depósitos de sulfatos ocorrem geralmente em terrenos mais antigos. É possível que as dunas tenham sido criadas pela acumulação de materiais resultantes da erosão eólica de antigos estratos polares ou de depósitos hidrotermais mais localizados.

sábado, 16 de julho de 2016

Sobrevoando o complexo vulcânico de Compton-Belkovich

Pequena porção do complexo vulcânico de Compton-Belkovich numa imagem recentemente obtida pela sonda Lunar Reconnaissance Orbiter, a uma altitude de 52 km.
Crédito: NASA/GSFC/Arizona State University.

Um dos primeiros resultados da missão Lunar Reconnaissance Orbiter (LRO) foi a descoberta de um pequeno complexo vulcânico félsico, com aproximadamente 35 km de comprimento por 25 km de largura, localizado entre as crateras Belkovich e Compton, no hemisfério lunar mais distante da Terra. Dados obtidos em 1998 pelo espetrómetro de raios gama da sonda Lunar Prospector tinham já revelado uma abundância anómala de tório na região. Porém, foram as imagens e as medições das emissões térmicas recolhidas pela LRO que permitiram aos cientistas confirmar a presença de depósitos vulcânicos com uma composição félsica (possivelmente riolítica) distinta do vulcanismo basáltico tipicamente observado na superfície da Lua.

A imagem de cima mostra parte da zona central do complexo vulcânico de Compton-Belkovich (CVCB). No seu interior podemos encontrar muitas áreas com uma refletância relativamente elevada e uma baixa concentração de crateras de pequenas dimensões. O seu carácter refletivo está associado à composição félsica dos materiais que cobrem a região. A baixa concentração de crateras de impacto sugere, no entanto, que o CVCB representa provavelmente um dos raros exemplos de vulcanismo lunar relativamente recente.

Num trabalho recentemente publicado na revista Icarus, uma equipa de investigadores usou a análise da estratigrafia das crateras Compton e Hayn e a contagem e medição de crateras de impacto nas áreas com alta refletância e topografia elevada para estimar a idade dos depósitos vulcânicos do CVCB. Os resultados indicam que a região exibiu atividade vulcânica pela última vez há aproximadamente 3,5 mil milhões de anos. Contudo, estes derradeiros episódios vulcânicos não foram suficientemente intensos para cobrir a região com novos materiais, pelo que é possível observar superfícies formadas há pelo menos 3,8 mil milhões de anos. Esta idade coincide com a formação de Belkovich, uma cratera com 200 km de diâmetro localizada a oeste do CVCB.

Podem ler mais sobre este trabalho aqui e aqui.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Descoberto um anel de moléculas orgânicas complexas na órbita de uma estrela bebé

Representação artística de um disco protoplanetário.
Crédito: ESO/L. Calçada.

Investigadores detetaram a presença de um anel de moléculas orgânicas complexas movendo-se em redor de uma protoestrela. A descoberta foi realizada usando a rede interferométrica de antenas do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), no norte do Chile, e confirma que muitos dos compostos orgânicos formados no espaço interestelar são transportados até aos discos protoplanetários que rodeiam as estrelas em formação. Este trabalho sugere ainda que as espécies moleculares depositadas nos discos protoplanetários variam consoante a protoestrela, pelo que o estudo da composição química destas regiões poderá revelar no futuro se o Sistema Solar é ou não um exemplo típico de um sistema planetário.

Desde há muito que os astrónomos sabem que as nuvens interestelares são fábricas muito eficientes na criação de moléculas orgânicas complexas. Pensa-se que durante a formação do Sistema Solar, há aproximadamente 4,6 mil milhões de anos, algumas destas moléculas foram transportadas desde o espaço interestelar até ao disco de poeira em rotação donde emergiram os planetas que hoje conhecemos. Mais tarde, estes compostos tiveram um papel essencial na química prebiótica responsável pelo aparecimento da vida na Terra. Contudo, permanece ainda por explicar quais as moléculas orgânicas e em que quantidades foram fornecidas pelo espaço interestelar.

Na última década, observações radioastronómicas permitiram detetar moléculas orgânicas complexas saturadas, como o metanol (CH3OH) e o metanoato de metilo (HCOOCH3), em protoestrelas do tipo solar, no entanto a sua distribuição era demasiado compacta para ser resolvida pelos radiotelescópios até então disponíveis. Recorrendo às capacidades revolucionárias do observatório ALMA, a equipa de investigadores liderada por Yoko Oya do Departamento de Física da Universidade de Tóquio, no Japão, estudou a distribuição espacial em alta resolução de uma variedade de compostos orgânicos complexos em redor de IRAS 16293-2422A, uma protoestrela de classe 0 localizada na direção da constelação de Ofiúco, a aproximadamente 390 anos-luz de distância da Terra.

Este mapa mostra a localização da região de formação estelar Rho Ophiuchi, localizada na direção da constelação Ofiúco. A estrela Rho Ophiuchi, que dá o nome à região, está marcada com a letra grega rho (ρ). IRAS 16293-2422 é um sistema composto por duas protoestrelas, a primeira (A) com uma massa semelhante à do Sol e a segunda (B) com menos de um décimo da massa da nossa estrela. A sua posição está assinalada no mapa a vermelho.
Crédito: ESO, UAI e Sky and Telescope.

As observações permitiram aos investigadores identificar uma estrutura em forma de anel circunstelar rica em moléculas orgânicas complexas, com um raio aproximado de 50 UA. Esta estrutura representa provavelmente a região de transição entre a nuvem de gás interestelar e o disco de poeira e gás em rotação que rodeia a jovem estrela. No interior do disco, os investigadores observaram ainda diferenças importantes nas distribuições das moléculas de metanoato de metilo e de sulfureto de carbonilo (OCS). Aparentemente, o metanoato de metilo encontra-se confinado a uma região mais compacta em redor da protoestrela, enquanto que o sulfureto de carbonilo reside principalmente na região mais interior do envelope gasoso que rodeia o disco protoplanetário. "Quando medimos, através do efeito Doppler, o movimento do gás contendo metanoato de metilo, descobrimos um claro movimento de rotação específico da estrutura em anel", explicou Oya. As mesmas observações permitiram também a identificação de uma distribuição similar para as moléculas de metanol.

Em cima: representação esquemática da estrutura em forma de anel descoberta em redor de IRAS 16293-2422A. Em baixo: distribuição espacial das moléculas de metanoato de metilo e de sulfureto de carbonilo observada pelo ALMA. O metanoato de metilo concentra-se principalmente numa região localizada a cerca de 50 UA de IRAS 16293-2422A, enquanto que o sulfureto de carbonilo se distribui até uma distância de cerca de 200 UA.
Crédito: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), Oya et al.

Os compostos orgânicos identificados em IRAS 16293-2422A são formados no espaço interestelar e preservados na superfície de grãos de poeira. Nas proximidades da fronteira externa do disco, estes compostos evaporam-se devido provavelmente ao calor gerado pela colisão entre os materiais em rotação no disco e os gases em colapso provenientes da nuvem interestelar. Este resultado constitui assim a primeira evidência direta de que os compostos orgânicos interestelares são, de facto, transportados até aos discos circunstelares em rotação a partir do qual emergem os sistemas planetários.

Em 2014, a mesma equipa identificou uma estrutura em anel semelhante formada por monóxido de enxofre (SO) no disco que rodeia a protoestrela L1527. Curiosamente, nessa jovem estrela, os investigadores observaram uma concentração relativamente elevada de compostos orgânicos insaturados, tais como o radical etinil (CCH) e o ciclopropino (c-C3H2), no envelope gasoso que rodeia o disco protoplanetário, enquanto que o monóxido de enxofre se distribuía preferencialmente na fronteira entre o gás em colapso e a estrutura do disco. Mais importante ainda foi a ausência praticamente absoluta de compostos orgânicos complexos saturados no disco de L1527, o que demonstra com clareza que os materiais depositados nos discos protoplanetários diferem de estrela para estrela.

Este trabalho foi publicado no passado mês de junho na revista Astrophysical Journal e pode ser encontrado aqui.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Superfície de Mercúrio emergiu das entranhas do planeta

O planeta Mercúrio visto pela sonda MESSENGER, a 14 de janeiro de 2008.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

A superfície de Mercúrio poderá ter sido forjada nas proximidades do núcleo do planeta, sugere um novo trabalho divulgado na semana passada na Conferência Goldschmidt, em Yokohama, no Japão. Experiências laboratoriais realizadas com misturas químicas com uma composição semelhante à das rochas do manto de Mercúrio sugerem que os depósitos vulcânicos das planícies mais antigas do planeta tiverem provavelmente origem junto à fronteira entre o manto e o núcleo de ferro.

"Mercúrio é um planeta telúrico singular", afirmou Asmaa Boujibar, investigadora do Centro Espacial Johnson, em Houston, nos Estados Unidos, e primeira autora deste estudo. "Ao contrário da Terra, tem um grande núcleo e um manto comparativamente pouco profundo, o que quer dizer que a fronteira entre o manto e o núcleo está apenas cerca de 400 km abaixo da crusta do planeta."

Observações realizadas recentemente pela sonda MESSENGER revelaram a presença de espessos depósitos de lava cobrindo toda a superfície de Mercúrio. Quimicamente heterogéneos, estes depósitos encontram-se distribuídos por duas regiões morfologicamente distintas. A mais antiga tem entre 4,0 a 4,2 mil milhões de anos de idade e consiste numa série de planícies e terrenos acidentados com uma elevada densidade de crateras. A mais recente encontra-se circunscrita a uma fração do hemisfério norte do planeta e é dominada por extensas planícies vulcânicas formadas há 3,7 a 3,8 mil milhões de anos.

Entre as superfícies mais antigas, a missão identificou uma extensa área rica em magnésio com cerca de 100 milhões de km2 (o equivalente a aproximadamente 15% da área total do planeta). Até agora, os cientistas não tinham encontrado uma explicação satisfatória para a formação destas regiões com composições químicas tão distintas do resto da superfície de Mercúrio. Para resolver este mistério, Boujibar e colegas simularam em laboratório as condições iniciais presentes em diferentes profundidades do manto primitivo do planeta.

Razão Mg/Si na superfície de Mercúrio. Mapa construído a partir de dados recolhidos pelo instrumento XRS da sonda MESSENGER. Podemos ver assinalada a vermelho e laranja uma extensa área rica em magnésio. Esta anomalia não se correlaciona com nenhuma das estruturas de impacto atualmente visíveis na superfície mercuriana.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

"Pegámos numa mistura química semelhante em composição aos condritos enstatíticos, [meteoritos] que se pensa serem representantes dos blocos de construção de Mercúrio, e submetemo-la a altas pressões e temperaturas", disse Boujibar. "As pressões eram elevadas: até aproximadamente 5 GPa (50 mil vezes a pressão atmosférica da Terra), o tipo de pressão com a qual podemos produzir diamantes. Esta é a pressão existente na fronteira entre o manto e o núcleo de Mercúrio."

Os condritos enstatíticos são rochas extremamente reduzidas, compostas por uma elevada proporção de enstatite, um mineral rico em magnésio. Extremamente raros entre os meteoritos recuperados na na Terra, a sua composição mineralógica é, contudo, a que mais se assemelha à da extensa região rica em magnésio identificada na superfície de Mercúrio pela sonda MESSENGER.

"A descoberta chave é que podemos produzir a variedade de materiais encontrados na superfície do planeta, variando a pressão e temperatura em apenas um tipo de composição", explicou Boujibar. "Estes resultados indicam que as áreas mais antigas são formadas por materiais que derreteram a altas pressões até à fronteira entre o núcleo e o manto, enquanto os terrenos mais jovens foram formados mais perto da superfície."

Este trabalho confirma ainda a ligação entre os condritos enstatíticos e a génese do planeta. "Uma das particularidades comum a Mercúrio e a este tipo de meteoritos é o seu elevado teor em enxofre", acrescentou Boujibar. "Era difícil prever o papel do enxofre na composição do magma, uma vez que Mercúrio é o único planeta telúrico com tão elevadas concentrações de enxofre (1 a 4% da massa). Em comparação, o teor de enxofre nos mantos da Terra, de Marte e da Lua é inferior a 0,1%. A composição heterogénea da superfície de Mercúrio é explicada, na generalidade, por ambos os efeitos de pressão e [concentração de] enxofre. Algumas regiões da superfície de Mercúrio permanecem difíceis de explicar, contudo trilhámos um longo caminho que nos ajuda a entender porque encontramos uma tal variedade de composições."

terça-feira, 5 de julho de 2016

Sonda Juno está na órbita de Júpiter!

Pela segunda vez na história, a NASA colocou uma sonda na órbita de Júpiter! Depois de uma longa viagem de 5 anos, a Juno conseguiu completar com sucesso a manobra de inserção na órbita do maior planeta do Sistema Solar.

Para comemorar este feito, a equipa da missão divulgou um novo vídeo com cerca de 1500 imagens captadas pela JunoCam, durante a aproximação da sonda a Júpiter. Apreciem:


Às portas de um gigante

Júpiter e as suas quatro maiores luas, numa imagem obtida pela sonda Juno, a 29 de junho de 2016, a aproximadamente 5,3 milhões de quilómetros de distância.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/SwRI/MSSS.

Faltam poucas horas para a Juno entrar na órbita do maior planeta do Sistema Solar. Depois de 5 anos de viagem e cerca de 2,7 mil milhões de quilómetros percorridos, a sonda da NASA irá sobrevoar a atmosfera joviana a uma distância mínima de pouco mais de 4,4 mil quilómetros, quando forem aproximadamente 04:47 da madrugada (hora de Lisboa). Nessa altura, a Juno já terá accionado o seu propulsor principal, alterando lentamente a sua velocidade numa queima de combustível que durará no total 35 minutos.

"Tal como planeámos, estamos bem no interior do poço gravitacional de Júpiter e com uma aceleração cada vez maior", disse Rick Nybakken, responsável da missão. "Mesmo depois de accionarmos o nosso propulsor, Júpiter continuará a puxar-nos, acelerando-nos cada vez mais até atingirmos o ponto de maior aproximação. O truque consiste em, no final da queima de combustível, termos desacelerado o suficiente de forma a entrarmos na órbita que queremos."

Durante a sua missão, a Juno irá cumprir um total de 37 órbitas em redor de Júpiter, com o objetivo de estudar em detalhe a origem, estrutura interna e magnetosfera do planeta. Poderão acompanhar em direto todas as notícias relativas à manobra de inserção através da NASA TV, a partir das 03:30 (hora de Lisboa).

sábado, 2 de julho de 2016

Manchas brilhantes de Ceres poderão ser vestígios de atividade hidrotermal recente

Deteção de carbonatos no interior da cratera Occator. A área assinalada a vermelho indica os locais com maior concentração destes sais.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/UCLA/MPS/DLR/IDA/ASI/INAF.

Foi finalmente revelado o mistério da cratera Occator! De acordo com um novo estudo publicado esta semana na revista Nature, as enigmáticas manchas brilhantes localizadas no centro da cratera são, na verdade, constituídas principalmente por carbonato de sódio (Na2CO3), um mineral que podemos encontrar em abundância em fontes hidrotermais alcalinas, no fundo dos oceanos terrestres. Estas são as maiores concentrações de Na2CO3 alguma vez observadas em ambientes extraterrestres.

"Esta é a primeira vez que vemos este tipo de material em quantidades tão elevadas noutro local do Sistema Solar", disse Maria Cristina De Sanctis, investigadora da missão Dawn e primeira autora deste trabalho. Occator é uma estrutura de impacto formada há cerca de 80 milhões de anos. Com cerca de 92 de diâmetro, a cratera possui uma depressão central com pouco mais de 1/100 da sua área total. Próximo do centro da depressão eleva-se um domo brilhante com fraturas radiais e concêntricas nas suas vertentes e em seu redor.

Baseados em dados espetrais obtidos pela sonda Dawn, De Sanctis e colegas descobriram que esta área brilhante no centro de Occator é dominada por depósitos de Na2CO3. A sua elevada concentração sugere que estes minerais são resíduos sólidos resultantes, provavelmente, da sublimação de soluções hipersalinas provenientes do um oceano no interior de Ceres ou de um reservatório de água mais localizado. A ascensão destes fluídos poderá ter sido desencadeada por uma fonte de calor temporária, como por exemplo, o impacto que formou a cratera, contudo, a sua origem endógena parece indicar que as temperaturas no interior do planeta anão são significativamente mais elevadas do que se pensava.

O centro da cratera Occator numa composição em cores falsas construída com imagens obtidas pela sonda Dawn, em setembro de 2015 e fevereiro de 2016.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/UCLA/MPS/DLR/IDA/PSI/LPI.

"Os minerais que encontrámos na área central de Occator requerem alterações produzidas pela [presença de] água", explicou De Sanctis. "[A deteção de] carbonatos suporta a ideia de que Ceres teve atividade hidrotermal no seu interior, capaz de empurrar estes materiais até à superfície no interior de Occator." Em dezembro passado, a mesma equipa divulgou a deteção de filossilicatos ricos em sais de amónia na superfície do planeta anão. Como a amónia é abundante no Sistema Solar exterior, esta descoberta levou os cientistas a considerar a hipótese de Ceres ter-se formado numa órbita próxima de Neptuno, antes de migrar até à sua atual localização na Cintura de Asteroides.

A análise destes novos dados permitiu a deteção de sais de amónia nas manchas brilhantes de Occator, em particular, de cloreto de amónia (NH4Cl) e de bicarbonato de amónia (NH4HCO3). Os cientistas tinham já detetado amónia e Na2CO3 nas plumas de vapor e gelo de água que emanam da superfície de Encélado, a sexta maior lua de Saturno. A descoberta destes compostos em Ceres reforça a sua conexão com os mundos gelados do Sistema Solar exterior e coloca em definitivo o planeta anão na rota dos mundos com ambientes potencialmente habitáveis. "Precisamos de investigar se as muitas outras áreas brilhantes de Ceres contêm também estes carbonatos", disse De Sanctis.

Num outro artigo publicado esta semana na revista Nature Geoscience, membros da equipa científica da missão Dawn divulgaram novos resultados relativos à composição da camada mais exterior do planeta anão. Baseados em imagens obtidas pela sonda da NASA, a equipa liderada por Michael Bland do Centro de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos descobriu que as maiores crateras de Ceres têm, na sua maioria, uma profundidade superior a 2 km relativamente aos terrenos em redor. Estes valores demonstram que estas estruturas não sofreram deformações significativas desde a sua formação e sugerem que a camada mais exterior do planeta anão não deverá ter mais de 40% de gelo, sendo a restante fração constituída por uma mistura de rochas e materiais com baixa densidade, como por exemplo, sais e clatratos. A presença de uma pequena quantidade de crateras com relaxamento topográfico indica, no entanto, que poderão existir variações na distribuição destes materiais.

Estes dois trabalhos podem ser encontrados aqui e aqui.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Primeiras evidências diretas de que Marte teve no passado uma atmosfera rica em oxigénio

Windjana, local onde o robot Curiosity descobriu rochas contendo elevadas concentrações de óxido de manganésio.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

Rochas analisadas pelo robot Curiosity no interior da cratera Gale sugerem que Marte poderá ter tido no passado níveis significativamente mais elevados de oxigénio molecular (O2) na sua atmosfera. A descoberta foi divulgada esta semana num artigo publicado na revista Geophysical Research Letters e confirma o que outros resultados da missão tinham já revelado: Marte foi outrora um planeta muito mais semelhante à Terra.

Composta por aproximadamente 95% de dióxido de carbono (CO2), a atual atmosfera do planeta contém apenas quantidades vestigiais de O2. Estudos realizados em meteoritos provenientes da superfície de Marte sugerem, no entanto, que as concentrações atmosféricas de O2 eram significativamente mais elevadas logo após a formação do planeta. Este novo trabalho vem agora confirmar esta hipótese.

Usando dados obtidos pelo instrumento ChemCam do robot Curiosity, a equipa de investigadores identificou a presença de elevadas quantidades de óxido de manganésio (MnO) em veios formados em rochas sedimentares próximas de um antigo leito lacustre, na região de Kimberley, no interior da cratera Gale. "Na Terra, as únicas formas que sabemos serem necessárias para se formarem estes materiais contendo manganésio envolvem [a presença de] O2 atmosférico ou de microrganismos", afirmou Nina Lanza, investigadora do Laboratório Nacional de Los Alamos, nos Estados Unidos, e primeira autora deste trabalho. "Estamos agora a ver óxidos de manganésio em Marte, e estamos a pensar como diabo poderiam estes terem-se formado."

Microrganismos em Marte é ainda uma possibilidade muito remota, mas a outra alternativa - que a atmosfera marciana continha mais O2 no passado do que agora - parece plausível. "Esta quantidade elevada de materiais contendo manganésio não se forma sem grandes quantidades de água líquida e condições fortemente oxidantes", acrescentou Lanza. "Aqui na Terra tivemos grandes quantidades de água, mas sem a presença de quantidades significativas de depósitos de óxidos de manganésio, até depois dos níveis de O2 na atmosfera terem aumentado."

O aparecimento de minerais com uma elevada concentração de óxido de manganésio nos registos geológicos terrestres é um marcador importante de uma mudança profunda na composição da atmosfera do nosso planeta. Solúvel em água na sua forma reduzida, o manganésio forma precipitados quando encontra oxidantes fortes como o O2, pelo que o seu aparecimento em antigos sedimentos marinhos assinala o momento em que a Terra deixou de possuir uma atmosfera pobre em O2 e passou a ter níveis de O2 mais próximos dos atuais. A descoberta do mesmo tipo de materiais em Marte sugere que o O2 também atingiu concentrações relativamente elevadas na atmosfera do planeta vermelho, antes de diminuir até aos níveis vestigiais que hoje conhecemos. Se foi esse o caso, como se formou então esse antigo ambiente oxigenado?

"Uma das possíveis formas do O2 surgir na atmosfera marciana é através da quebra [de moléculas] de água, quando Marte estava a perder o seu campo magnético", disse Lanza. "Pensa-se que a água seria muito mais abundante nesse período da história de Marte."

Sem campo magnético para proteger o planeta do vento solar e das radiações cósmicas, as moléculas de água teriam sido divididas por fotólise em átomos de oxigénio e hidrogénio. Devido à sua baixa gravidade, o planeta viu-se incapaz de reter os átomos mais leves de hidrogénio, contudo o oxigénio, mais pesado, permaneceu na atmosfera. Uma parte reagiu com os minerais nas rochas, criando a abundância de óxidos de ferro que hoje podemos encontrar na poeira avermelhada que tinge a superfície do planeta. No entanto, o processo deve ter gerado uma concentração atmosférica de O2 significativamente mais elevada do que se pensava, uma vez que os óxidos de manganésio apenas se formam em ambientes fortemente oxidantes.

"É difícil confirmar se este cenário (...) ocorreu realmente", afirmou Lanza. "Contudo, é importante notar que esta ideia representa uma mudança na nossa compreensão de como as atmosferas planetárias poderão ficar oxigenadas." A abundância de O2 nas atmosferas planetárias tem sido vista como um potencial marcador para a deteção de vida noutros planetas. Esta descoberta sugere, no entanto, que os planetas podem gerar níveis relativamente elevados de O2 recorrendo apenas a processos abióticos.

Podem encontrar todos os detalhes deste trabalho aqui.