sexta-feira, 30 de novembro de 2012

MESSENGER encontra novas evidências da presença de gelo de água nas regiões polares de Mercúrio

Em Março passado, cientistas da NASA divulgaram resultados obtidos durante a missão primária da MESSENGER que sugeriam a presença de depósitos de gelo de água e de outros materiais voláteis em crateras permanentemente sombrias nas regiões polares de Mercúrio, os mesmos locais onde haviam sido descobertas nos anos 90 superfícies com elevada reflectividade radar (ler mais aqui). Ontem foram publicados três artigos na revista Science onde são descritas novas evidências a suportar esta hipótese.

Mosaico do pólo norte de Mercúrio mostrando a localização dos depósitos com elevada reflectividade radar (a amarelo) e as regiões no interior das crateras que se encontram permanentemente escondidas da luz solar (a vermelho).
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington/National Astronomy and Ionosphere Center, Arecibo Observatory.

Num dos artigos, um grupo de cientistas liderado por David Lawrence do Laboratório de Física Aplicada da Universidade de Johns Hopkins analisou dados recolhidos pelo espectrómetro de neutrões da MESSENGER no pólo norte de Mercúrio. Aplicada ao mapeamento de neutrões emitidos pelas superfícies planetárias expostas à radiação cósmica, a espectrometria de neutrões permite inferir variações na concentração de diferentes elementos nessas superfícies. Os elementos mais leves como o hidrogénio absorvem com maior eficácia a energia dos neutrões, pelo que materiais com grandes concentrações desses elementos tendem a provocar um descrécimo acentuado no fluxo de neutrões mais energéticos: os neutrões rápidos e epitérmicos. De acordo com os autores deste artigo, o espectrómetro de neutrões da MESSENGER detectou uma quebra na emissão de neutrões rápidos e epitérmicos na região do pólo norte de Mercúrio correspondente à presença em alguns locais de uma camada subsuperficial rica em hidrogénio com algumas dezenas de centímetros de espessura, coberta por uma fina camada com 10 a 20 centímetros pobre nesse elemento. A concentração de hidrogénio na camada subsuperficial é consistente com a presença de gelo de água quase puro nestas regiões.

Ilustração mostrando o efeito do hidrogénio do gelo de água de uma cratera mercuriana nos neutrões mais energéticos.
CréditoNASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

Noutro artigo, os autores analisaram a reflectência dos pulsos de laser disparados pelo instrumento Mercury Laser Altimeter (MLA) sobre as regiões permanentemente sombrias nas crateras do pólo norte mercuriano, e obtiveram dados que corroboram as observações realizadas pelo espectrómetro de neutrões. De acordo com as medições obtidas pelo MLA, estas regiões estão preenchidas com materiais brilhantes com propriedades ópticas típicas do gelo de água. O altímetro da MESSENGER detectou ainda áreas cobertas com materiais com reflectência diminuída, que poderão corresponder a pequenas superfícies ricas em compostos orgânicos que, provavelmente, isolam camadas subsuperficiais de gelo da erosão térmica. Estas anomalias correlacionam-se espacialmente com as superfícies com elevada reflectividade radar mapeadas nos anos 90.

Mapa topográfico da região do pólo norte de Mercúrio criado com dados obtidos pelo instrumento MLA da MESSENGER. No centro da imagem encontra-se Prokofiev, uma profunda cratera com 110 km de diâmetro que contém uma vasta área permanentemente sombria.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

No artigo de David Paige e colegas são apresentados os primeiros modelos detalhados da distribuição de temperaturas superficiais e subsuperficias na região do pólo norte de Mercúrio, baseados nos mais recentes dados topográficos obtidos pelo MLA. Estes novos modelos prevêm a estabilidade térmica do gelo de água nas regiões com elevada reflectividade radar, o que suporta as conclusões dos outros dois trabalhos.

Ilustração mostrando o provável mecanismo de formação dos depósitos de gelo de água e de outros compostos voláteis nas regiões permanentemente sombrias de Mercúrio. A - distribuição de temperaturas no interior de uma cratera polar. B- impacto de um cometa ou de um asteróide rico em compostos voláteis. C - Distribuição dos materiais voláteis sobre a cratera. D - Vaporização da água e de outros compostos voláteis nas áreas expostas à radiação solar. E - Configuração termicamente estável com concentração de compostos orgânicos nas zonas mais quentes das regiões permanentemente sombrias.
Crédito: NASA/UCLA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

Paige e colegas sugerem que os materiais com baixa reflectência mapeados pelo MLA são, provavelmente, moléculas orgânicas deixadas na superfície de Mercúrio pelo impacto de cometas e de asteróides ricos em compostos voláteis, os mesmos objectos que transportaram a água até aos planetas interiores do Sistema Solar. Nas regiões permanentemente sombrias das crateras dos pólos, esses compostos poderão ter sido concentrados em áreas onde o gelo de água é instável à superfície, criando um depósito rico em materiais orgânicos posteriormente enegrecidos por exposição ao ambiente espacial.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Imagens incríveis do vórtice do pólo norte de Saturno

Preparem-se para uma visão absolutamente assombrosa!

Pólo norte de Saturno visto pela Cassini a 27 de Novembro de 2012, através de um filtro para o infra-vermelho próximo (750 nm).
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.

O que estão a ver é o centro de um gigantesco vórtice polar que rodopia sobre o pólo norte de Saturno. Observado pela primeira vez pelas sondas Voyager 1 e 2 no início dos anos 80, esta complexa estrutura estende-se por quase 25 mil quilómetros e forma um padrão hexagonal facilmente reconhecível em imagens captadas em comprimentos de onda no infravermelho. Vejam em baixo:

Estrutura hexagonal do vórtice do pólo norte de Saturno numa imagem obtida pela sonda Cassini a 27 de Novembro de 2012, através de um filtro para o infravermelho próximo (752 nm).
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.

Os vórtices polares são fenómenos atmosféricos que se formam nas regiões polares de objectos como a Terra, Titã, Vénus e Júpiter, locais onde exibem normalmente padrões circulares. O vórtice do pólo norte de Saturno é particularmente interessante, não só pela sua aparente estabilidade a longo termo, como também pela sua invulgar geometria.
Em 2010, a sua estrutura hexagonal foi recriada pela primeira vez em laboratório por uma equipa de físicos da Universidade de Oxford, liderada pela cientista portuguesa Ana C. Barbosa Aguiar (ver o artigo deste trabalho aqui). Usando um tanque cilíndrico cheio com água com dois discos concêntricos em rotação no seu interior, a equipa de investigadores simulou a formação do padrão hexagonal observado em Saturno e de outros padrões geométricos, alterando o gradiente de velocidades de rotação entre os dois discos. Com esta simples experiência, Ana Barbosa e colegas demonstraram que a estrutura do vórtice do pólo norte de Saturno emerge de distúrbios atmosféricos induzidos por um gradiente de velocidades nos ventos de secções adjacentes da atmosfera, em latitudes do hemisfério norte próximas dos 78º.
Vejam em baixo o vídeo de uma das experiências:


terça-feira, 27 de novembro de 2012

NASA observa asteróide 2007 PA8

Imagens de radar do asteróide 2007 PA8 obtidas entre 31 de Outubro e 13 de Novembro pela antena de 70 metros do Deep Space Network de Goldstone, Califórnia, EUA.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

No passado dia 05 de Novembro, o asteróide (214869) 2007 PA8 aproximou-se a apenas 0,043 UA da Terra (cerca de 17 vezes a distância média Terra-Lua), uma distância que o tornou num alvo favorável para  uma série de observações com as antenas de radar do Deep Space Network de Goldstone, na Califórnia, EUA. Os dados recolhidos durante a campanha permitiram aos cientistas da NASA diminuir drasticamente as incertezas da sua órbita, e assim recalcular a sua trajectória com grande precisão para os próximos 632 anos, período no qual não constituirá qualquer ameaça ao nosso planeta. A passagem deste ano foi a mais próxima da Terra desde 1880, e não terá paralelo pelo menos até 2488, quando o asteróide se aproximar a apenas 5,8 milhões de quilómetros (cerca de 15 vezes a distância Terra-Lua).
As imagens de radar obtidas em Goldstone mostram que 2007 PA8 é um objecto alongado com 1,5 a 2,0 quilómetros de diâmetro, com um período de rotação excepcionalmente longo (entre 3 a 4 dias). Em algumas imagens é possível vislumbrar alguns pormenores da sua superfície, incluindo possíveis crateras, cristas e rochedos.

Mais um Pac-Man no sistema saturniano

Recordam-se do curioso padrão de distribuição de temperaturas observado pela Cassini em 2010 na pequena lua Mimas? Cientistas da missão identificaram um segundo padrão em forma de Pac-Man no hemisfério líder de Tétis, em observações realizadas a 14 de Setembro de 2011 com o espectrómetro CIRS. A descoberta desta nova distribuição térmica com a silhueta da figura icónica dos videojogos dos anos 80 vem demostrar que os processos responsáveis pela sua criação não se encontram circunscritos a Mimas, e poderão ser encontrados noutras luas do sistema saturniano (e, provavelmente, nos satélites de Júpiter).

Distribuição das temperaturas superficiais nas luas Mimas (à esquerda) e Tétis (à direita). Mapas construídos com dados obtidos pelo espectrómetro CIRS da sonda Cassini em Fevereiro de 2010 e em Setembro de 2011.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/GSFC/SWRI.

De acordo com os investigadores, o padrão anómalo de temperaturas superficiais observado nas luas de Saturno poderá ser uma consequência da forma como os electrões de alta energia bombardeiam preferencialmente as baixas latitudes dos hemisférios líderes de cada lua (os hemisférios que se encontram voltados na direcção do movimento de revolução das luas em redor do planeta). O bombardeamento incessante destas partículas endurece nestas regiões o gelo superficial, aumentando consequentemente a sua inércia térmica. A detecção em Tétis de um padrão térmico superficial idêntico ao observado em Mimas não só confirma que os electrões de alta energia podem alterar de forma dramática a superfície gelada das luas saturnianas, como também sugere que essas alterações são mais rápidas que as provocadas pelo bombardeamento de partículas de gelo (no caso de Tétis, provenientes dos geisers de Encélado).
Contrariamente a Mimas, o padrão de distribuição de temperaturas de Tétis tem paralelo com subtis variações de brilho na sua superfície observadas nas bandas do infravermelho próximo e do visível. As regiões mais quentes da superfície tetiana atingem os 90 K (-183º C), uma temperatura ligeiramente inferior à das regiões mais quentes de Mimas (95 K ou -178º C). As baixas latitudes do hemisfério líder são cerca de 15 K mais frias que as regiões vizinhas, uma diferença também observada em Mimas.
Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

domingo, 25 de novembro de 2012

Descida até Glenelg

Vista sobre Glenelg (cliquem na imagem para a aumentar). Composição de 55 imagens obtidas pela MastCam-100 do robot Curiosity a 23 de Novembro de 2012 (sol 107).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Sérgio Paulino.

Completa-se hoje uma semana desde que o Curiosity levantou âncoras de Rocknest e reiniciou a sua viagem até às maravilhas geológicas de Glenelg. Anteontem, depois de trilhar mais alguns metros, o robot da NASA parou por breves momentos para obter um grande panorama sobre a espectacular paisagem que se abre agora na sua frente. Velada pela poeira recentemente lançada sobre a cratera Gale, a paisagem inclui uma amostra da diversidade geológica que caracteriza Glenelg, encimada pelas magníficas encostas do Monte Sharp.

sábado, 24 de novembro de 2012

Poeira atmosférica sobre a cratera Gale

Mudança na opacidade atmosférica entre os sóis 75 e 100. Imagens obtidas pela MastCam do Curiosity a 22 de Outubro e a 16 de Novembro de 2012.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Sérgio Paulino.

Na semana passada, a Mars Reconnaissance Orbiter observou o desenvolvimento de uma grande tempestade de poeira em Utopia Planitia. Nos sóis seguintes, a tempestade deslocou-se através de Isidis Planitia e Syrtis Major até ao hemisfério sul do planeta vermelho, aumentando em seguida de tamanho até atingir uma área com cerca de 10,4 milhões de quilómetros quadrados, cobrindo toda a bacia de Hellas e grande parte de Noachis Terra, a oeste, e Promethei Terra, a leste. Por essa altura, o fenómeno mostrava já sinais de enfraquecimento. No entanto, apesar de nunca ter estado a menos de 1.300 quilómetros de distância da cratera Gale, a tempestade lançou quantidades significativas de poeira sobre o local onde se encontra o robot Curiosity, como podem verificar na imagem de cima.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Um planeta majestoso

Saturno em cores naturais numa composição de imagens obtidas pela sonda Cassini a 18 de Novembro de 2012, através de filtros para o azul, o verde e o vermelho (imagens originais: W00077010, W00077011 e W00077012).
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute/composição a cores de Sérgio Paulino.

A Cassini encontrava-se a 1,95 milhões de quilómetros de Saturno quando obteve este bonito retrato dos domínios mais meridionais deste majestoso planeta.

Indícios da presença de fluídos hidrotermais num meteorito proveniente de Marte

Imagem de microscopia electrónica de transmissão mostrando depósitos de argilas e de carbonatos numa fractura no interior do meteorito Lafayette (largura da imagem correspondente a 50 µm).
Crédito: University of Leicester.

Cientistas britânicos descobriram indicíos de que a superfície marciana poderá ter albergado num passado recente fontes hidrotermais potencialmente habitáveis. Usando dados mineralógicos do meteorito Lafayette (um meteorito de origem marciana pertencente ao grupo dos nakhlitos), John Bridges e Susanne Schwenzer criaram um modelo termoquímico que explica a presença e a composição dos precipitados que preenchem as fracturas existentes no seu interior. De acordo com o trabalho dos dois investigadores, os depósitos encontrados nas fracturas de Lafayette formaram-se a partir de fluídos hidrotermais saturados ricos em dióxido de carbono, com abundância de nutrientes e em condições de temperatura favoráveis à proliferação de vida microbiana, tal como a conhecemos.
Os nakhlitos são um grupo de rochas ígneas formadas há 1,3 mil milhões de anos, a partir de fluxos superficiais de magma basáltico, numa das grandes planícies vulcânicas do planeta vermelho. Depois de sofrerem cristalizações intersticiais e outras modificações químicas, os nakhlitos foram ejectados pelo impacto de um objecto na superfície de Marte há cerca de 10,75 milhões de anos. Nos últimos 10 mil anos chegaram à Terra, pelo menos, 8 exemplares, caindo em regiões tão distintas como a Antártida e o Norte de África. O meteorito Lafayette é o que contém a maior quantidade de registos da presença de fluídos hidrotermais no seu interior, pelo que foi escolhido pelos dois investigadores britânicos como fonte de dados para a elaboração do seu modelo.
Observações realizadas através de microscopia electrónica mostram que as fracturas de Lafayette estão preenchidas com unidades mineralógicas formadas em sequências distintas. Nas margens das fracturas encontram-se finas camadas de precipitados de carbonatos de ferro e de cálcio, seguidas de depósitos de esmectite e de serpentinas (minerais argilosos) ricos em ferro. No centro dos veios figuram fases amorfas de esmectite.
De acordo com o novo modelo de Bridges e Schwenzer, Lafayette terá estado, inicialmente, em contacto com um fluído saturado rico em dióxido de carbono, aquecido a temperaturas entre os 150 e os 200ºC. Nessas condições terá ocorrido a precipitação dos carbonatos de ferro e de cálcio no interior dos grânulos de olivina, entretanto erodidos por dissolução acídica. À medida que o pH foi evoluindo para condições neutras e básicas, e a temperatura do fluído foi descendo até aos 50ºC, deu-se a precipitação das esmectites e das serpentinas ricas em ferro, seguindo-se uma rápida precipitação do gel amorfo rico em esmectite. Estas transformações terão ocorrido há menos de 670 milhões de anos, num período relativamente recente da história de Marte, e terão gerado durante algum tempo um ambiente habitável com condições semelhantes a algumas fontes hidrotermais de origem vulcânica existentes na Terra.
Podem ler mais sobre este trabalho aqui e aqui.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Nomes de montanhas de Titã inspiradas nas obras de J. R. R. Tolkien

Doom Mons, um criovulcão com mais de 1.000 metros de altitude, situado na região de Aztlan, em Titã. Imagem obtida pelo RADAR da sonda Cassini a 22 de Fevereiro de 2007.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/ASI/anotações de Sérgio Paulino.

A União Astronómica Internacional aprovou esta semana 7 novos nomes para montanhas da lua saturniana Titã. Por convenção, as montanhas titanianas recebem nomes de montes, picos ou cadeias montanhosas da Terra Média, o cenário fictício das novelas do autor inglês J. R. R. Tolkien. Às 6 montanhas baptizadas em Dezembro passado juntam-se agora Doom Mons, Erebor Mons, Mithrim Montes, Misty Montes, Irensaga Montes, Mindolluin Montes e Taniquetil Montes (estas três últimas situadas a oeste do local onde poisou a sonda Huygens, em Janeiro de 2005).
Doom Mons é uma estrutura particularmente interessante porque se assemelha a uma versão gelada do Monte da Condenação, o vulcão onde Sauron, o senhor de Mordor, forjou o Anel Um. Com mais de 1.000 metros de altitude, Doom Mons é o melhor exemplo conhecido de um criovulcão. Das suas múltiplas crateras parte Mohini Fluctus, um conjunto de fluxos criovulcânicos que se estendem por cerca de 180 quilómetros em direcção a um extenso campo de dunas a norte.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Barrancos sulcados por lava numa cratera marciana

Pequena cratera marciana fotografada a 11 de Agosto de 2012 pelo sistema HiRISE da Mars Reconnaissance Orbiter.
Crédito: NASA/JPL/University of Arizona.

Localizada no extremo sul de Elysium Planitia, uma extensa planície com inúmeras estruturas de origem vulcânica, esta cratera de 3 quilómetros de diâmetro sobreviveu por pouco a uma inundação catastrófica de lava que cobriu toda a região em seu redor. A massa de rocha fluída conseguiu, no entanto, transpor o seu rebordo em pelo menos dois locais, rasgando nas encostas a oeste profundos barrancos e criando um pequeno lago de lava no centro da cratera. Na imagem é possível distinguir ainda pequenas estrias negras nas vertentes inclinadas, provavelmente formadas por recentes avalanches de poeira.
Existem barrancos semelhantes em crateras de impacto na Lua. No entanto, a sua formação está associada não a fenómenos vulcânicos, mas sim à génese da própria cratera. A energia libertada pelo impacto de um objecto numa superfície sólida liberta uma quantidade de energia suficiente para fundir grandes volumes de rocha, que podem ser arremessados para a orla da cratera e depois fluir de volta ao seu centro.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Um mundo orfão na vizinhança do Sistema Solar?

Representação artística de uma imagem infravermelha do objecto CFBDSIR J214947.2-040308.9, um novo candidato a planeta errante recentemente descoberto.
Crédito: ESO/L. Calçada/P. Delorme/Nick Risinger (skysurvey.org)/R. Saito/VVV Consortium.

Astrónomos franceses e canadianos identificaram um corpo candidato a planeta errante a vaguear sozinho no espaço, a cerca de 100 anos-luz da Terra. Denominado CFBDSIR J214947.2-040308.9, o novo objecto parece estar associado a um grupo de estrelas conhecido como Associação Estelar AB Doradus, um grupo de cerca de 30 estrelas que se movem no espaço em conjunto com a estrela AB Doradus. A descoberta foi realizada em observações feitas com a câmara WIRCam do telescópio Canadá-França-Hawaii, no Hawaii, e com a câmara SOFI montada no New Technology Telescope do ESO, no Chile. Posteriormente, os investigadores usaram o espectrógrafo X-shooter do Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO) para estudar de forma detalhada a atmosfera do objecto.

CFBDSIR J214947.2-040308.9 numa imagem de infravermelho obtida com o instrumento SOFI, montado no New Technology Telescope do ESO, no Observatório de La Silla.
Crédito: ESO/P. Delorme.

Os cientistas pensam que as estrelas que compõem a Associação Estelar AB Doradus foram todas formadas ao mesmo tempo, há 50 a 120 milhões de anos. De acordo com os autores desta descoberta, existe uma probabilidade de 87% de CFBDSIR J214947.2-040308.9 estar associado a este grupo de estrelas. Caso se confirme esta associação, este novo objecto deverá ser um jovem planeta errante com 4 a 7 vezes a massa de Júpiter. A comparação dos espectros obtidos através do espectrógrafo X-shooter com modelos da metalicidade da atmosfera solar indicam que a temperatura da sua atmosfera deverá rondar os 700 K (cerca de 427ºC).
A sua ligação a um grupo estelar próximo, torna CFBDSIR J214947.2-040308.9 o mais interessante candidato a planeta errante alguma vez descoberto. "Procurar planetas em torno de estrelas é semelhante a estudar um pirilampo que se encontra a um centímetro de distância de um farol distante de automóvel," afirma Philippe Delorme (Institut de planétologie et d'astrophysique de Grenoble, CNRS/Université Joseph Fourier, França), autor principal do artigo com os pormenores desta descoberta (ver aqui). "Este objecto errante próximo oferece-nos a oportunidade de estudar o pirilampo com todo o pormenor, sem que as luzes brilhantes dos faróis do automóvel estraguem tudo."
Pensa-se que os planetas errantes são, pelo menos, tão numerosos como as estrelas, e que se formam de duas formas possíveis: ou como planetas normais que são, posteriormente, ejectados dos seus sistemas planetários; ou como objectos solitários, tais como as estrelas e as anãs castanhas. Em ambos os casos, o estudo destes objectos é essencial para a compreensão destes mecanismos. "Estes objetos são importantes, já que nos podem ajudar a compreender melhor como é que os planetas são ejectados dos sistemas planetários ou como é que objectos muito leves podem resultar do processo de formação estelar," diz Philippe Delorme. "Se este pequeno objecto for um planeta ejectado do seu sistema nativo, dá-nos a imagem de mundos orfãos, errando no vazio do espaço."

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Naus portuguesas em Marte

Cratera São Gabriel vista pelo robot Opportunity a 13 de Julho de 2012 (sol 3010).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Cornell University/Arizona State University/Sérgio Paulino.

É já uma tradição as crateras visitadas pelo robot Opportunity receberem nomes de grandes navios de exploração. Depois de terem homenageado embarcações históricas como o veleiro Endurance da expedição de Ernest Shackleton à Antártida, ou a nau Victoria da armada de Fernão de Magalhães (a primeira embarcação a circum-navegar a Terra), a equipa da missão parece estar agora a escolher apenas nomes de naus portuguesas para as crateras de Cabo York. Até agora figuram entre os nomes utilizados os das três naus da armada de Vasco da Gama na sua primeira aventura até à Índia (as naus São Gabriel, São Rafael e Bérrio), e os das duas caravelas da frota de Bartolomeu Dias (as caravelas São Pantaleão e São Cristovão), as primeiras embarcações europeias a atingirem a ponto mais meridional do continente africano.
Podem ver na imagem de baixo a localização destas cinco crateras.

Mapa do percurso do robot Opportunity no cabo York com os principais pontos de interesse assinalados.
Crédito: NASA/JPL/UA/MSSS/E.Tesheiner.

sábado, 10 de novembro de 2012

Cratera fantasma em Mare Imbrium

Crista brilhante coberta por blocos rochosos fotografada nas planícies basálticas de Mare Imbrium pela Lunar Reconnaissance Orbiter, a 07 de Agosto de 2012.
Crédito: NASA/GSFC/Arizona State University.

A crista visível na imagem de cima é apenas uma porção de uma estrutura circular maior, que se eleva ligeiramente acima das planícies basálticas do norte de Mare Imbrium. Com cerca de 6 km de diâmetro, esta estrutura é uma das muitas crateras fantasma que assombram os vastos maria lunares.

Imagem de contexto da imagem de cima mostrando toda a extensão da cratera fantasma e a paisagem em seu redor, incluindo a vizinha cratera Laplace F (à direita).
Crédito: NASA/GSFC/Arizona State University.

Reduzidas a meros padrões circulares, as crateras fantasma desenham os contornos de antigas crateras de impacto formadas antes das inundações de lava que estiveram na origem dos depósitos basálticos dos maria lunares. Como as crateras de impacto têm uma relação consistente entre o seu diâmetro e a sua profundidade, os cientistas usam o diâmetro das crateras fantasma para inferir a espessura mínima dos depósitos que as soterraram. A catalogação destas estruturas ao longo da superfície dos maria pode, assim, ser usada como uma ferramenta para determinar as variações regionais da espessura destes depósitos.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Primeiro candidato a exoplaneta potencialmente habitável num sistema com seis planetas

Representação artística de HD 40307g, um novo candidato a exoplaneta potencialmente habitável descoberto na órbita da estrela HD 40307.
Crédito: PHL.

Uma equipa de astrónomos europeus e americanos anunciou ontem a descoberta de um candidato a super-Terra potencialmente habitável na órbita de HD 40307, uma estrela do tipo espectral K2,5 V, situada na direcção da constelação do Pintor, a apenas 42 anos-luz do nosso sistema. Ligeiramente mais pequena e menos luminosa que o Sol, HD 40307 era já conhecida por albergar um sistema compacto de três super-Terras em órbitas quase ressonantes. A equipa de investigadores liderada por Mikko Tuomi da Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido, vem agora adicionar à contagem três novos candidatos, um dos quais na zona de Goldilocks da estrela, a região habitável do sistema.

Diagrama representando os diâmetros relativos e as órbitas dos seis exoplanetas detectados em HD 40307. A zona de Goldilocks do sistema encontra-se assinalado a verde.
Crédito: PHL.

Os três novos candidatos a exoplanetas foram detectados pelo método da velocidade radial, após uma reanálise dos dados públicos do instrumento HARPS (High Accuracy Radial Velocity Planet Searcher) do ESO (Observatório Europeu do Sul) com o novo software HARPS-TERRA, uma ferramenta que filtra com grande precisão falsos negativos resultantes da actividade estelar (e, por isso, muito direccionada para a detecção de exoplanetas com massas próximas da Terra).
HD 40307g é o candidato mais exterior do sistema e orbita a sua estrela hospedeira a cerca de 0,600 UA, suficientemente distante para poder suportar água em estado líquido na sua superfície (caso as condições se assemelhem às terrestres). Com pelo menos 7 vezes a massa da Terra, HD 40307g deverá ter cerca de 1,9 a 2,5 vezes o raio do nosso planeta, dependendo se a sua composição é mais rochosa ou mais rica em água. O planeta recebe em média 67% da radiação que a Terra recebe do Sol, pelo que se tiver uma atmosfera semelhante à terrestre, a temperatura da sua superfície não deverá ultrapassar em média os 9ºC. Devido à sua elevada excentricidade orbital (cerca de 0,29), HD 40307g deverá experimentar, no entanto, grandes variações térmicas ao longo da sua órbita, com extremos médios de -17ºC e de 52ºC.
Segundo os autores deste trabalho, o período orbital relativamente longo de HD 40307g (cerca de 197,8 dias) torna a probabilidade da ocorrência de trânsitos visíveis da Terra muito baixa, pelo que a sua presença não poderá ser confirmada por este método. A sua relativa proximidade ao nosso planeta faz, no entanto, com que a separação angular da sua estrela hospedeira seja suficiente elevada para ser detectado directamente por observatórios espaciais dedicados ao estudo das super-Terras, como o observatório Darwin da ESA, ou o Terrestrial Planet Finder da NASA, dois projectos entretanto inviabilizados devido a cortes orçamentais. Caso se confirme a sua presença, HD 40307g será o primeiro exoplaneta potencialmente habitável a poder ser observado directamente a partir da Terra!
Podem ler mais pormenores deste trabalho aqui.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Um sorriso em Mercúrio

Cratera sem nome fotografada a 04 de Outubro de 2012 pela sonda MESSENGER.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

Mercúrio também tem a sua face sorridente. Fotografada recentemente pela sonda MESSENGER, a cratera complexa visível nesta imagem tem os seus picos centrais dispostos de uma tal forma que parecem desenhar dois olhos e um sorriso. Com cerca de 37 km de diâmetro, esta cratera sem nome situa-se no hemisfério sul do planeta, a oeste da grande bacia de Beethoven.

domingo, 4 de novembro de 2012

Divulgadas primeiras medições de gases atmosféricos na cratera Gale

Durante a sua presença em Rocknest, o Curiosity realizou as suas primeiras medições de gases atmosféricos no interior da cratera Gale com o SAM (Sample Analysis at Mars), um conjunto de três instrumentos de análise química destinados a explorar a química elementar e molecular dos solos e da atmosfera marciana, em busca de compostos relevantes para a vida tal como a conhecemos. Os resultados foram apresentados anteontem numa conferência de imprensa pela equipa responsável pelo SAM, e sugerem que Marte perdeu uma parte significativa da sua atmosfera desde a sua formação. Os indícios estão na relação de isótopos dos diferentes elementos que compõem as moléculas da fina atmosfera do planeta vermelho.

A câmara de medição do espectrómetro laser sintonizável do SAM, um dos instrumentos responsáveis pelas primeiras medições de isótopos dos elementos da atmosfera marciana no interior da cratera Gale.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

Actualmente, a pressão da atmosfera de Marte é 100 vezes inferior à pressão da atmosfera terrestre ao nível do mar. Em Rocknest, o SAM detectou no dióxido de carbono atmosférico um aumento de cerca de 5% nos isótopos mais pesados do elemento carbono, em comparação com estimativas da razão de isótopos presente quando Marte era ainda um planeta muito jovem. Os isótopos mais pesados de árgon também mostraram enriquecimentos semelhantes, um resultado que está de acordo com estimativas anteriores derivadas do estudo de meteoritos marcianos encontrados na Terra. De acordo com os cientistas da missão, a actual razão isotópica dos elementos atmosféricos encontrados em Rocknest sugere a ocorrência de perdas significativas de isótopos mais leves na parte superior da atmosfera de Marte, um forte indício de que uma importante fracção da atmosfera do planeta se perdeu no espaço interplanetário desde a sua formação.

Abundância relativa dos cinco principais gases medidos em Rocknest pelo espectrómetro de massa do SAM em Outubro de 2012.
Crédito: NASA/JPL-Caltech, SAM/GSFC.

O SAM obteve ainda leituras preliminares da abundância atmosférica de metano, as mais precisas alguma vez realizadas em Marte. Difícil de detectar a partir da órbita marciana, devido às suas quantidades vestigiais na atmosfera do planeta, o metano é um gás muito interessante para a missão Curiosity. Na Terra, a sua origem encontra-se ligada tanto a processos biológicos como a fenómenos geológicos. Em Marte, a sua libertação na atmosfera é, aparentemente, heterogénea e sazonal, e não é explicada pela actual ocorrência de processos geológicos como o vulcanismo ou as fontes hidrotermais, pelo que a sua origem biológica não está posta de parte.
As leituras preliminares realizadas em Rocknest mostram uma ausência praticamente completa de metano na cratera Gale, com um valor máximo de algumas partes por milhar de milhão associado a uma incerteza que se sobrepõe ao valor zero. Os cientistas responsáveis pelo SAM recordam, no entanto, que as concentrações atmosféricas de metano podem variar consideravelmente em Marte, pelo que não será surpresa nenhuma o Curiosity encontrar quantidades mais elevadas no decorrer da missão.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Curiosity prova solo marciano

As areias de Rocknest vistas pelo Curiosity em Outubro de 2012.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

O Curiosity completou esta semana as primeiras análises ao solo recolhido na língua de areia de Rocknest. Os resultados mostram que a mineralogia do solo de Aeolis Palus é semelhante aos solos basálticos de origem vulcânica encontrados nas ilhas do Hawaii.
Estacionado em Rocknest há quase um mês, o Curiosity esteve ocupado a analisar algumas amostras de areia marciana com o CheMin (Chemistry and Mineralogy X-Ray Diffraction Instrument), uma versão miniaturizada dos sofisticados instrumentos de difracção de raios X usados nos laboratórios de Geologia na Terra para a determinação da composição química de minerais. O método utilizado pelo CheMin tem a vantagem de proporcionar uma identificação mineralógica muito mais exacta que qualquer outro método anteriormente usado em Marte, uma vez que providencia informações cruciais acerca da estrutura cristalina dos minerais analisados.

A "boca" do CheMin fotografada pela MAHLI a 11 de Setembro de 2012.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

Antes de serem ingeridas pelo CheMin, as amostras foram previamente processadas com uma pá vibratória para excluir partículas com um tamanho superior a 150 µm (aproximadamente a largura de um cabelo humano). Nas amostras foram observados pelo menos dois componentes distintos: poeira proveniente de outras paragens, distribuída globalmente pelos ventos marcianos; e areia fina com origem mais localizada. De formação mais contemporânea, as areias de Rocknest são mais representativas dos processos geológicos modernos de Marte do que os conglomerados estudados anteriormente.
As análises realizadas pelo CheMin mostram que o solo marciano tem uma mineralogia semelhante a material basáltico com quantidades significativas de feldspato, piroxeno e olivina, uma composição que não surpreendeu os cientistas da missão. Praticamente metade do solo analisado é constituído por material não cristalino, como, por exemplo, vidros vulcânicos ou produtos resultantes da sua erosão.

Peridoto, uma variedade de olivina.
Crédito: Caltech.

"Até agora, os materiais analisados pelo Curiosity são consistentes com as nossas ideias iniciais de que os depósitos da cratera Gale reúnem registos temporais de uma transição de um ambiente mais húmido para um mais seco", afirmou David Bish, co-investigador do CheMin, na conferência de imprensa de ontem. "As rochas antigas, como os conglomerados, sugerem a presença de água corrente, enquanto que os minerais nos solos mais jovens são consistentes com interacções limitadas com a água".

Auto-retrato do Curiosity em Rocknest

Auto-retrato do robot Curiosity num recorte de um mosaico contendo 56 imagens obtidas pela câmara MAHLI a 31 de Outubro de 2012 (sol 84 da missão).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Malin Space Science Systems/Sérgio Paulino.

Ontem, o Curiosity poisou para a MAHLI, a câmara de alta resolução que se encontra na extremidade do seu braço robótico. Durante quase uma hora, o braço moveu-se 56 vezes, reunindo as fotografias necessárias para incluir todo a estrutura do robot da NASA (com a excepção do próprio braço) no enorme mosaico que aqui vos trago. Atrás do Curiosity podem ver o monte Sharp e as montanhas da orla nordeste da cratera Gale.