sábado, 4 de junho de 2016

Células convectivas no coração de Plutão

Polígonos irregulares em Sputnik Planum numa composição criada com imagens obtidas pela sonda New Horizons, a 14 de julho de 2015.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute.

A missão New Horizons revelou detalhes fascinantes da superfície de Plutão, incluindo uma vasta bacia coberta por uma camada rica em gelo de azoto, conhecida informalmente por Sputnik Planum. Grande parte desta bacia encontra-se dividida em polígonos irregulares com 20 a 30 km de diâmetro e apenas algumas dezenas de metros de elevação máxima. Dois novos artigos publicados anteontem na revista Nature vêm agora sugerir que a superfície destas estruturas é continuamente renovada por convecção. As conclusões dos dois trabalhos foram obtidas de forma independente, através da análise de modelos computacionais e de dados topográficos e espetrais recolhidos pela sonda New Horizons em julho do ano passado.

"Conseguimos determinar, pela primeira vez, o que são realmente estas estranhas pápulas na superfície gelada de Plutão", disse William McKinnon, investigador da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, e primeiro autor de um dos artigos. "Descobrimos evidências de que, mesmo num planeta gelado longínquo a milhares de milhões de quilómetros de distância da Terra, existe energia suficiente para [a ocorrência de] atividade geológica vigorosa, desde que tenhamos os materiais certos, ou seja, algo mole e flexível como o gelo de azoto."

Os resultados obtidos pela equipa liderada por McKinnon sugerem que os polígonos irregulares de Sputnik Planum são, na verdade, o topo de células convectivas com apenas 3 a 6 km de espessura, criadas pela lenta convecção térmica das camadas superficiais de gelo de azoto presentes na região. Neste cenário, o gelo é aquecido pelo calor interno de Plutão, formando uma coluna que ascende no centro de cada célula como um fluído até à superfície. Logo que alcança a superfície, o gelo começa a perder fluidez, pelo que se desloca lateralmente a uma velocidade cada vez mais lenta. Os sulcos que delimitam cada célula marcam os locais onde o gelo perde mobilidade e se afunda de regresso às camadas onde é gerada a convecção.

Mapa geomorfológico de Sputnik Planum com as fronteiras de cada célula devidamente marcadas. Pode ser encontrada aqui a legenda das cores que assinalam cada tipo de terreno.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute.

Este movimento convectivo ocorre a uma velocidade média de poucos centímetros por ano (aproximadamente a velocidade de crescimento das unhas no ser humano), o que significa que a superfície de cada célula é completamente renovada a fim de aproximadamente 500 mil anos. Este valor encontra-se abaixo do limite superior de idade de Sputnik Planum, calculado com base na contagem de crateras (cerca de 10 milhões de anos). "Esta atividade ajuda provavelmente a suportar a atmosfera de Plutão, ao renovar continuamente a superfície do 'coração'", explicou McKinnon. "Não nos surpreenderia se observássemos este processo noutros planetas anãos da Cintura de Kuiper. Talvez tenhamos a oportunidade de o descobrir um dia, quando lá chegarem futuras missões de exploração."

No outro artigo divulgado na Nature, a equipa de investigadores liderada por Alexander Trowbridge da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, também concluiu que a convecção seria a explicação mais viável para a formação dos polígonos. Os resultados obtidos por Trowbridge e colegas sugerem, no entanto, que o movimento convectivo é gerado a profundidades semelhantes às do diâmetro das células, ou seja, pelo menos 10 km. Estes valores são significativamente superiores aos calculados pela equipa de McKinnon e têm importantes implicações na história geológica de Sputnik Planum.

Com um diâmetro aproximado de 1200 km, a bacia é muito provavelmente uma antiga cratera de impacto. As suas dimensões acomodariam facilmente um manto de gelo de azoto com uma espessura semelhante à calculada pela equipa de McKinnon, mas seriam insuficientes para comportar as profundidades estimadas por Trowbridge e colegas. Isto não demonstra que as estimativas da equipa de Trowbridge estejam incorretas. Apenas exige uma explicação mais elaborada para a formação e evolução de Sptunik Planum.

Os dois trabalhos podem ser consultados aqui e aqui.

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