terça-feira, 15 de abril de 2014

Descobertas novas evidências de um antigo lago na cratera Gusev

O afloramento rochoso Comanche visto pelo robot Spirit a 29 de Dezembro de 2005 (sol 695 da missão).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Cornell University/Arizona State University.

A cratera Gusev tem sido considerada como um dos locais mais promissores para encontrar vestígios de antigas massas de água líquida na superfície de Marte. Dados recolhidos in situ pelo robot Spirit deixaram, porém, os cientistas perplexos ao revelarem uma paisagem inteiramente moldada por fenómenos vulcânicos. Um estudo publicado na semana passada na revista Geology vem agora expor um novo conjunto de evidências que apontam para a existência de um lago temporário no interior da cratera Gusev, há cerca de 3,7 mil milhões de anos.

Gusev é uma cratera peculiar. Vista da órbita marciana, esta depressão com cerca de 166 quilómetros de diâmetro aparenta exibir marcas incontestáveis da presença de uma antiga massa de água líquida no seu interior. A sua orla meridional encontra-se interrompida por um profundo vale tributário, que parte de um grupo de crateras localizadas cerca de 700 quilómetros a sul, e se extingue a jusante sob a forma do que aparenta ser um antigo delta.

Perspectiva sobre a cratera Gusev numa imagem gerada a partir de dados topográficos obtidos pela sonda Mars Global Surveyor. Para sul podemos ver Ma'adim Vallis, o longo vale tributário que irrompe pela orla meridional da cratera Gusev. A norte encontra-se Apollinaris Mons, um antigo vulcão-escudo com cerca de 5 quilómetros de altura.
Crédito: NASA / JPL-Caltech / USGS / MOLA Science Team.

Estas particularidades fizeram com que Gusev fosse um dos dois alvos escolhidos para a missão Mars Exploration Rover. No entanto, quando em 2004 o Spirit iniciou a exploração do interior da cratera, os cientistas depararam-se com uma surpresa. Em vez dos esperados depósitos lacustres, o robot da NASA encontrou uma superfície repleta de rochas vulcânicas.

O cenário mudou quando o Spirit alcançou o topo das colinas de Columbia, cerca de 3,2 quilómetros a leste. Com aproximadamente 90 metros de altitude, estas antigas colinas contêm rochas alteradas pela água. No entanto, entre estas rochas não se encontravam quaisquer vestígios de sedimentos formados no leito de um lago. Em vez disso, o Spirit deparou-se com evidências de antigas fontes hidrotermais - o tipo de vulcanismo encontrado em locais como Yellowstone, nos Estados Unidos.

Entre as rochas analisadas nas colinas de Columbia encontrava-se Comanche, um afloramento rochoso invulgarmente rico em carbonatos de magnésio-ferro. Quando estes minerais foram detectados em 2010, os cientistas atribuíram a sua presença à actividade hidrotermal. Agora, um novo olhar sobre os mesmos dados sugere uma origem diferente.

Mapa mostrando o percurso do robot Spirit no interior da cratera Gusev.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/UA/Cornell/NM Museum of Natural History and Science.

"Olhámos com maior minúcia para a composição e configuração geológica de Comanche e de outros afloramentos próximos", afirmou Steve Ruff, investigador da Universidade do Estado do Arizona, e primeiro autor deste trabalho. "Existem fortes evidências de que foram águas frias da superfície a introduzir os carbonatos em Comanche, em vez de águas quentes provenientes do subsolo."

No início, Comanche era formado pelos depósitos de piroclasto que originalmente cobriam as colinas de Columbia e as planícies adjacentes. Este material, conhecido por tephra, foi cuspido por erupções explosivas ocorridas no interior ou nas proximidades da cratera Gusev.

Algum tempo depois, inundações catastróficas abriram caminho pela orla meridional de Gusev, formando um lago temporário que submergiu os depósitos vulcânicos. O lago manteve-se tempo suficiente para alterar quimicamente o tephra, e transformar-se gradualmente numa solução saturada de minerais. Com a evaporação da água ficaram para trás resíduos de carbonato, que se foram infiltrando em Comanche e noutras rochas próximas sempre que o lago enchia e secava.

"O lago não tinha que ser grande", disse Ruff. "As colinas de Columbia elevam-se a cerca de 90 metros, mas encontram-se na região mais baixa da cratera Gusev, pelo que não era necessário o lago cobrir toda a área da cratera."

Panorama sobre as planícies no interior da cratera Gusev. Imagem obtida do topo das colinas de Columbia pelo robot Spirit, a 27 de Setembro de 2005 (sol 617 da missão).
Crédito: NASA/JPL/Cornell.

Hoje, as colinas de Columbia erguem-se como ilhas de terreno antigo rodeadas por fluxos de lava mais recentes. "Comanche e o afloramento rochoso vizinho, conhecido por Algonquin, são remanescentes de antigos depósitos de tephra muito mais abrangentes", afirmou Ruff. "Os ventos erodiram a maior parte desses depósitos, arrastando consigo grande parte das evidências do antigo lago."

Esta nova interpretação carece, no entanto, de mais dados - algo que, infelizmente, o Spirit não poderá fornecer. O robot da NASA não comunica com a Terra desde Março de 2010, pelo que a exploração de Gusev dependerá de uma nova missão.

"O regresso a Gusev iria dar-nos uma oportunidade para uma segunda sessão de campo", afirmou Ruff. "Depois da primeira sessão com o Spirit ficámos com mais questões, e com uma hipótese que pode ser testada ao regressarmos."

Em 2020, o planeta vermelho receberá um novo robot com capacidade para recolher amostras na superfície e enviá-las para a Terra. De acordo com Ruff, a cratera Gusev seria um alvo prioritário para esta nova missão da NASA. "Faz sentido cientifica e operacionalmente regressar a um local que já sabemos que tem materiais geologicamente diversos - e astrobiologicamente interessantes - para recolher", argumentou Ruff. "E sabemos exactamente onde os podemos encontrar."

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

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