domingo, 28 de junho de 2015

Os nossos cérebros não conseguem lidar com a Lua

Pôr da Lua sobre os observatórios do Cerro Paranal, no Chile.
Crédito: G.Gillet/ESO.

Quando olhamos para a Lua, os raios luminosos do luar convergem na retina, formando uma imagem com cerca de 0,15 mm de diâmetro. Estas dimensões são sempre as mesmas, independentemente da posição da Lua no céu, no entanto, o nosso cérebro insiste que a Lua parece maior quando se encontra junto ao horizonte. Conhecida e debatida há séculos, esta ilusão persiste ainda sem uma explicação consensual.

As primeiras referências conhecidas à ilusão da Lua foram impressas em escrita cuneiforme, há quase 2700 anos, numa das placas de argila que formavam o rico espólio da biblioteca real de Nineveh, a capital da Assíria. Mais tarde, no século II d. C., Ptolemeu tentou explicar o fenómeno na sua obra Almagesto, interpretando-o como um efeito de refração produzido pela humidade atmosférica. Inscrita numa das obras incontornáveis da Europa medieval, esta visão permaneceu incontestada durante mais de um milénio, apesar do próprio Ptolemeu ter sugerido no seu livro Ótica uma explicação alternativa baseada em alterações na perceção humana.

Esta explicação é hoje conhecida por hipótese do constraste de tamanho e sugere que a ilusão da Lua se deve à fisiologia do olho. De acordo com esta hipótese, a observação da Lua no zénite leva os olhos a convergirem mais do que o necessário, provocando uma redução no tamanho aparente do disco lunar. Esta explicação foi reavivada em 1709, pelo filósofo irlandês George Berkeley, como parte de um debate aceso com individualidades como René Descartes e Nicolas Malebranche, acerca da perceção da distância e de outros fenómenos visuais.

Descartes e Malebranche usavam a ilusão da Lua para suportar as suas argumentações de que a visão é inerentemente tridimensional, e que podemos calcular o tamanho e a distância dos objetos usando apenas a visão. Berkeley opunha-se a esta ideia, sugerindo que a perceção do tamanho, forma e distância não deriva da nossa experiência visual, mas sim da nossa experiência tangível do mundo. Para o filósofo irlandês, a visão não possui propriedades inerentemente tridimensionais, pelo que a ilusão da Lua apenas poderá ser explicada pela hipótese do contraste de tamanho.

Durante mais de dois séculos, nenhuma destas hipóteses foi geralmente aceite, até que nos anos 1940, o trabalho de Alfred H. Holway e Edwin G. Boring, da Universidade de Havard, nos Estados Unidos, torna momentaneamente triufante a hipótese do contraste de tamanho. Baseados numa simples experiência com círculos de papel, Holway e Boring sugeriam que a ilusão da Lua depende essencialmente da postura da cabeça e dos olhos relativamente ao horizonte. Esta ideia volta a ser contestada duas décadas mais tarde, com o trabalho dos psicólogos americanos Lloyd Kaufman e Irvin Rock.

Kaufman e Rock atacam diretamente a hipótese do contraste de tamanho, argumentando que se olharmos para a Lua no horizonte com a cabeça baixa e os olhos erguidos, a ilusão persiste. Os dois investigadores criticam ainda a metodologia da experiência de Holway e Boring e a sua avaliação da hipótese da distância aparente de Descartes.

Com o objetivo de encontrarem uma explicação definitiva para o fenómeno, Kaufman e Rock executaram uma série de experiências usando um instrumento ótico que produz um disco luminoso com raios de luz paralelos, para que os olhos de um observador reagissem como se a luz fosse emitida por um objeto localizado a uma distância infinita. As experiências tiveram em conta a elevação dos olhos, dentro e fora de edifícios, bem como a cor e o brilho da Lua e a presença do terreno envolvente. As duas primeiras variáveis não tiveram qualquer efeito, mas a terceira foi crucial. Aparentemente, a ilusão da Lua depende fortemente da presença do terreno no campo de visão do observador.

Estas experiências parecem validar a hipótese da distância aparente. A presença do terreno em redor altera a avaliação subjetiva da distância da Lua, o que faz com que os nossos cérebros concluam que, sendo mais distante, o seu tamanho é também maior. Holway e Boring rejeitaram a hipótese da distância aparente porque as pessoas afirmavam que a Lua parecia mais próxima junto ao horizonte, e não o contrário. Como aponta o psicólogo comportamental Jim T. Enright, o paradoxo tamanho-distância parece ter origem numa espécie de desconexão entre a nossa consciência e a perceção subconsciente da distância, i.e., expandimos o tamanho da Lua nos nossos cérebros porque nos parece mais distante, no entanto, afirmamos que a Lua aparenta estar mais próxima.

Contudo, os dados de Kaufman e Rock são claros. O terreno parece ser determinante na manifestação da ilusão. Recentemente, Kaufman perguntou ao astronauta Edward T. Lu, quando este se encontrava a bordo da Estação Espacial Internacional, se conseguia observar a ilusão da Lua no espaço. Lu disse que não. "Não há nada além da curvatura da Terra", afirmou Kaufman numa entrevista publicada no mês passado na revista online Nautilus. "Não existe distância." Quando colocou a mesma questão a pilotos de aviação, a resposta foi unânime: "claro [que vemos a ilusão da Lua], mas só quando voamos a baixa altitude."

Num trabalho publicado em 2007, Kaufman confrontou diretamente o paradoxo tamanho-distância. A sua descrição tradicional envolve três atos consecutivos de perceção: em primeiro lugar, percecionamos a Lua como estando mais distante devido à presença do terreno envolvente; depois, percecionamo-la com um tamanho maior porque nos parece mais distante; e, por fim, percecionamo-la como estando mais próxima porque nos parece maior. Kaufman argumenta que as perceções não provocam perceções. Um ou mais passos desta cadeia poderão não envolver uma perceção subconsciente, mas sim um julgamento consciente, ou poderão ainda resultar de uma rede complexa de conexões ou inferências simultâneas, das quais não estamos conscientes.

"Devemos recordar-nos", diz Kaufman, "que as perceções são consequências de processos computacionais muito mais numerosos e complicados que as próprias perceções". O julgamento e a perceção podem correlacionar-se um com o outro, mas não são certamente a causa um do outro. Kaufman reconhece a dificuldade de explicar com precisão o mecanismo que nos leva da visão à perceção, uma dificuldade que partilha com eminentes figuras históricas. Foi Johannes Kepler quem escreveu há 4 séculos: "[a perceção] não é do escopo da ótica, mas sim da filosofia natural e do estudo do maravilhoso".

Sem comentários:

Enviar um comentário