segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Em memória de Carl Sagan

Carl Sagan.
Crédito: The Planetary Society.

Nascia à 75 anos o astrónomo Carl Edward Sagan. Consultor e conselheiro da NASA desde os anos 50, Sagan esteve envolvido nalgumas das mais emblemáticas missões da agência espacial americana. Instruiu os astronautas do programa Apollo antes dos seus voos à Lua, e idealizou e concebeu várias experiências científicas para as históricas expedições Mariner, Viking, Voyager e Galileo aos planetas. Sagan ajudou, ainda, a esclarecer vários enigmas da ciência planetária. Percebeu o extraordinário efeito estufa que se encontrava na origem das altas temperaturas de Vénus, e foi o primeiro a admitir a existência de complexas moléculas orgânicas na atmosfera alaranjada da lua Titã.
No entanto, Carl Sagan é lembrado pela maioria, pela sua série televisiva Cosmos. Vista por mais de 500 milhões de pessoas em 60 países, a série tornou-se fonte de inspiração para uma geração inteira de astrónomos profissionais e amadores, em todo o mundo. Lembro-me vagamente da série na televisão portuguesa; era muito jovem na altura. Tive mais tarde o prazer de descobrir a genialidade de Sagan, nas suas obras As Ligações Cósmicas, Um Mundo Infestado de Demónios, e Cosmos, esta última baseada na série com o mesmo nome. Foi com elas que dei os meus primeiros passos na Astronomia.
Carl Sagan desapareceu cedo demais. Faleceu a 20 de Dezembro de 1996, depois de completar 62 anos, vítima de uma pneumonia secundária a um transplante de medula (a terceira na sua longa luta contra um síndrome mielodisplásico). Em sua memória, deixo-vos uma mensagem sua (bem actual) à humanidade, extraída do seu livro de maior sucesso, a obra intemporal Cosmos:
O Cosmos foi descoberto apenas ontem. Durante um milhão de anos todos aceitaram que só a Terra existia. Depois, no último milésimo de vida da nossa espécie, nesse instante entre Aristarco e nós, verificámos com relutância que não éramos nem o centro nem o objectivo do Universo, mas que vivíamos num mundo pequeno e frágil, perdido na imensidade e na eternidade, à deriva num grande oceano cósmico semeado aqui e ali de cem mil milhões de galáxias e milhões de biliões de estrelas.
Sondámos corajosamente as águas e achámos o oceano ao nosso gosto, de acordo com a nossa natureza. Algo dentro de nós reconhece o Cosmos como sua casa. Somos feitos de cinza estelar, a nossa origem e a nossa evolução estão ligadas a acontecimentos cósmicos distantes. A exploração do Universo é uma viagem de auto-descoberta.
Já o sabiam os antigos construtores de mitos: somos filhos do céu e da Terra. Desde que iniciámos a ocupação do planeta acumulámos uma perigosa bagagem no decurso da nossa evolução: propensões hereditárias à agressão e ao ritual, submissão aos chefes e hostilidade para com os estranhos, que põem em perigo a nossa própria sobrevivência. Mas, em contrapartida, também ganhámos a compaixão pelos outros, o amor pelos nossos filhos e pelos filhos dos nossos filhos, um desejo de aprender a partir da História e uma inteligência apaixonada sempre a tentar chegar mais longe - tudo instrumentos de sobrevivência e prosperidade.
Quais os aspectos da nossa natureza que irão prevalecer - não o sabemos: sobretudo quando nos esforços de compreensão e nos nossos projectos nos limitamos à Terra, quando não mesmo a uma pequena parte da Terra. Ora, na imensidade do Cosmos esperam-nos perspectivas que não podemos ignorar. Não possuímos ainda nenhum sinal óbvio da existência de inteligências extraterrestres. Deveremos concluir disso que civilizações como a nossa acabam sempre por mergulhar, inevitavelmente, na autodestruição? As fronteiras nacionais são pouco evidentes quando do espaço se observa a Terra: é difícil apoiar entusiasmos fanáticos, sejam eles étnicos, religiosos ou nacionalistas, quando ante nós o nosso planeta surge como um frágil e evanescente crescente azulado, prestes a tornar-se um ponto indescernível no meio do bastião, da cidadela das estrelas. Viajar enriquece os espíritos.
Existem mundos em que a vida nunca surgiu. Existem mundos que foram queimados e reduzidos a ruínas por catástrofes cósmicas. Tivemos sorte: estamos vivos, somos poderosos, temos em mãos o bem estar da nossa civilização e da nossa espécie. Se não formos nós a defender a Terra, quem o fará? Se não nos empenharmos na nossa sobrevivência, quem se empenhará por nós?

A Terra, um ponto azul pálido perdido na imensidão do espaço. A ideia da obtenção desta foto partiu de Carl Sagan. Captada em 1990 pela sonda Voyager 1, a uma de distância de mais de 6 mil milhões de Km de casa, a imagem faz parte de uma sequência de fotografias, com as quais se pretendeu ilustrar o nosso Sistema Solar visto do exterior.
Crédito: NASA/JPL.

1 comentário:

  1. Uma otima reflexao, ainda mais baseada nas ideias de um homem como Carl, dotado de um intelecto fantástico

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